Em resposta à disparada nos preços da carne bovina no país, internautas começaram a compartilhar a ideia de um boicote ao produto. Segundo postagens nas redes sociais, como a carne de vaca é um alimento perecível, se os consumidores pararem de comprá-la e optarem por frango ou porco, os açougues não terão outra opção que não seja baixar o preço.
Mas não funciona bem assim. De acordo com economistas ouvidos pelo UOL, uma tentativa de boicote só teria efeitos pontuais, não conseguiria reduzir o preço geral e prejudicaria apenas quem está na ponta da cadeia produtiva, os açougues e supermercados.
Para os especialistas, a corrente em prol do boicote não daria certo por dois motivos:
- Boicotes não costumam funcionar quando o alvo é amplo;
- Mesmo se ele funcionasse, os preços não cairiam porque os frigoríficos venderiam a carne para o mercado externo.
Boicote não diminui preço geral de um produto
André Diz, professor do Ibmec São Paulo, diz que o boicote nem chegaria a se concretizar porque “carne vermelha” é um alvo muito amplo e, como diversos movimentos da internet, este não teria a organização necessária para vingar.
Boicotes tendem a funcionar quando se dirigem a uma determinada marca, por exemplo, que pode ser prejudicada financeiramente. Mas contra a carne bovina [no geral]? Quantos brasileiros a consomem e quantos de fato deixariam de consumi-la? Para funcionar mesmo, tem de ser muitas pessoas e por muito tempo, o que não parece o caso
André Diz, professor do Ibmec São Paulo
Para o boicote funcionar, aponta, teria de haver uma organização nacional. “Como seria essa coordenação para garantir que todo mundo iria parar de consumir?”, questiona. “É aquele caso de muita fumaça, mas pouco fogo.”
Boicote só afetaria açougues
Caso se parta da premissa de que seja possível organizar um boicote nacional, ainda assim o preço não cairia, segundo Roberto Kanter, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e diretor-executivo da consultoria para varejistas Canal Vertical.
Ele explica que o único impacto de verdade ocorreria para os varejistas, devido à maneira como a cadeia produtiva da carne está estruturada no país e porque o aumento no preço se deu por influência do mercado internacional, não do nacional.
“O açougue já comprou a carne mais cara [do frigorífico]. É provável que, na iminência de estragar o que não tiver vendido, ele ofereça descontos para evitar prejuízo total. Mas é pontual: quem conseguir aproveitar, compra. Mas e depois, no próximo abastecimento? O preço no atacado vai continuar alto. O que ele vai fazer? Provavelmente, comprar menos [do frigorífico]”, afirmou.
É preciso pensar no produtor. Se ele consegue vender a um preço mais elevado para o mercado externo, por que venderia mais barato para o interno? No fim, o boicote só afetaria o varejista, que não vende para fora
Roberto Kanter, professor da FGV
Se mercado interno boicota, o externo salva
E se os varejistas também entrassem no boicote contra o atacado e os produtores em busca da redução geral de preços? Também não funcionaria, dizem os especialistas. Com o dólar alto como agora, por volta de R$ 4,20, e com a alta demanda da China, os frigoríficos continuariam a exportar a carne.
“É a lei mais simples do mercado: oferta e demanda. O mercado interno não quer? Ele [produtor ou frigorífico] manda para a China. Afinal, com dólar neste valor, entre vender o quilo a US$ 10 para a China ou a R$ 30 aqui, ele escolhe enviar para fora”, explica Kanter.
“Na economia, não existe ato sem consequência nem remédio sem efeito colateral. Quando você aumenta o dólar para incentivar a exportação, perde o dólar barato para conter a inflação interna”, diz.
Tendência é redução do consumo de carne no Brasil
Para os especialistas, com a permanência da alta demanda internacional, a tendência não é que o preço da carne por aqui caia, mas que o brasileiro altere seu hábito de compra e o consumo reduza.
“Nesse novo patamar de preço, o produtor pode optar por manter o valor lá em cima. Se, antes, vendia mais barato para um milhão de compradores, agora vai vender com o preço mais elevado para 500 mil”, afirma Kanter. “No cenário atual, ele pode fazer isso porque o grosso continua a ir para a China.”
Além disso, Diz argumenta que o consumo de carne bovina já era restrito a uma parte da população e sempre haverá uma parcela que continuará a consumi-la independentemente do aumento, mesmo que de forma reduzida.
“A carne bovina é consumida majoritariamente por famílias de classe média e classe média alta. O aumento de 30% é relevante? Sim, é grande. Mas qual o peso deste consumo dentro do orçamento de uma família com renda de oito, dez ou vinte salários mínimos? No fim, não pesa tanto”, afirma. “E nas famílias mais humildes, que são grande parte da população, este consumo já não era frequente mesmo antes [do aumento].”
Por isso, sustenta o professor do Ibmec, o “efeito mais perverso” desta alta não é o preço da carne bovina, em si, mas o efeito dominó no resto.
Com o aumento do boi, o frango e o porco também sobem, pois são os substitutos perfeitos, e a demanda cresce. Isso é muito ruim para as famílias que têm menos recursos
Roberto Kanter, professor da FGV
O que poderia fazer o preço cair?
Há duas maneiras de reduzir o preço para o mercado interno, segundo os especialistas:
- Queda do dólar a um patamar que faça a exportação não valer a pena;
- Redução na demanda internacional, especialmente a chinesa.
Nenhuma delas, no entanto, parece provável.
“O mercado se ajusta. Se amanhã o dólar caísse de R$ 4,20 para R$ 2,50, quem iria sofrer seria o chinês, que passaria a importar da Tailândia, por exemplo, porque o produtor brasileiro não teria interesse em enviar carne para a China”, afirma Kanter. “Mas o ministro [da Economia, Paulo Guedes,] já avisou que o dólar deve seguir neste patamar.”
O preço da carne vermelha também pode cair se a China resolver um problema interno com peste suína, que fez com que a demanda por proteína animal para todo o mercado internacional (não só do Brasil) aumentasse desde o meio deste ano.
“Assim que o mercado interno chinês se normalizar, a China reduzirá o índice de compra nos mercados internacionais”, afirma Fernando Henrique Iglesias, consultor da Safras & Mercado, especialista em carnes. Com menor procura chinesa, os frigoríficos brasileiros voltariam a privilegiar o mercado interno, e o preço, consequentemente, cairia.
China não deve diminuir demanda tão cedo
Mas isso também não deverá acontecer em breve. O principal motivo para o aumento da importação de proteína animal pela China é o surto de peste suína pelo qual o rebanho do país passa. “O porco é a principal proteína da China e esta é uma doença que não tem cura, o animal tem de ser sacrificado”, explica o consultor.
Segundo ele, devido às características da suinocultura chinesa, predominantemente familiar, e à extensão continental do país, é improvável que a questão seja resolvida em menos de dois anos.
“A situação não deve se normalizar tão cedo porque a doença ainda está muito espalhada”, diz.
Fonte: Uol
Créditos: Uol