Foram mais de quarenta pontos na boca, dentes quebrados, fraturas no nariz (que causaram complicações respiratórias) e um rosto desfigurado por socos, além dos hematomas nos braços e no peito e marcas de mordidas.
Ela contou ao Fantástico que conheceu o agressor Vinícius Batista Serra em uma rede social, e que trocaram mensagens por oito meses antes de marcarem o primeiro encontro: um jantar na casa de Elaine.
Depois do jantar, Vinícius propôs que os dois dormissem juntos, e a vítima acordou com o advogado tentando matá-la com uma “gravata”. Ela se defendeu do golpe, mas foi espancada na própria cama por quatro horas, sem que ninguém fosse capaz de impedir: nem vizinhos, nem seguranças, nem funcionários do prédio, ninguém interveio.
Ao Jornal Extra, os funcionários do prédio disseram que “pensaram se tratar de uma briga de casal” (?)
Como, em um condomínio, uma mulher é espancada por tanto tempo e absolutamente ninguém intervém? Como é possível que uma violência tão brutal ainda seja tratada com tanta naturalidade?
E pronto. Deixaram o agressor em paz para que terminasse o serviço sem ser incomodado.
Na mentalidade do cidadão médio brasileiro, brigas de casal são assim mesmo: às vezes o homem espanca a mulher por quatro horas até quase mata-la. Acontece nas melhores famílias.
Em briga de marido e mulher, você sabe, não se mete a colher.
Apenas um dos funcionários do condomínio entrou no apartamento de Elaine e disse um comedido “vamos parar com isso”, ao que Vinícius respondeu, segundo informações do irmão da vítima, “entra aqui pra você ver o que acontece!” – e fim de papo, ninguém entrou.
Essa me pareceu uma ameaça suficientemente lúcida, mas o agressor alegou um surto psicótico. “Bebi vinho, dormi e acordei em surto.”
Que tipo de surto dura quatro horas? Que tipo de pessoa surtada tem a frieza de ameaçar verbalmente uma testemunha que tenta impedi-la? Quem, em um surto psicótico, pensaria em fugir assim que flagrado?
Mais do que isso: que tipo de surtado sabe que está em surto e se autodiagnostica com a rapidez de um culpado?
Além disso, segundo o irmão da vítima, Vinícius apresentou-se na portaria do condomínio como Felipe, o que abre a possibilidade – que para mim parece particularmente óbvia – de um crime premeditado.
Por que ele daria um nome falso se suas intenções não fossem nefastas?
O homem foi preso em flagrante por tentativa de feminicídio, mas as cirurgias de reconstrução facial, os quarenta pontos, o rosto desfigurado e a humilhação pública ficam na conta de Elaine, que, como se não bastasse, tem sido julgada, como toda mulher vítima de violência.
Pasmem, já encontraram um jeito de culpa-la.
Porque ela permitiu que ele entrasse em sua casa. Porque ela não adivinhou que seria espancada e quase morta. Porque ela confiou em alguém que conheceu pela internet – como se ninguém tivesse encontros eróticos com parceiros que conheceu pela internet.
Porque “essas mulheres carentes conhecem o homem e já colocam dentro de casa.” Não porque “esses homens violentos espancam, estupram, matam e vandalizam.”
Não importa o quão impossível pareça: é sempre tempo de culpar uma mulher vítima de violência. É assim que a sociedade dos cidadãos de bem trata as mulheres: deixando que apanhem e dando um jeito de culpa-las no final.
Quando funcionários de um prédio dizem que não acudiram uma mulher que apanhou por quatro horas por “pensarem se tratar de uma briga de casal”, a gente compreende, mais uma vez, que nossos corpos são vistos e tratados como propriedade dos homens com quem nos relacionamos, seja como troféus, seja como sacos de pancada.
Fonte: DCM
Créditos: Nathalí Macedo