Em um dos cenários mais acirrados desde a redemocratização, a corrida eleitoral se transformou em um verdadeiro campo minado de notícias falsas e informações retiradas de contexto. Apoiadores de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) contrariam decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao encontrarem formas de burlar a legislação e manter no ar conteúdos falsos, com milhares de visualizações.
Desde junho, a Corte recebeu pelo menos 21,8 mil denúncias de notícias falsas, descontextualizadas ou manipuladas sobre o processo eleitoral brasileiro. Os dois candidatos também transformaram a Justiça em um campo de batalha: mais de 130 ações tramitam devido a acusações mútuas.
O volume e a velocidade dos ataques têm impossibilitado o controle de desinformação por parte da Justiça Eleitoral. Apesar da atuação dos ministros, as decisões têm sido frequentemente desrespeitadas. Enquanto o TSE determina a remoção de uma publicação da rede social de um candidato ou perfil específico, o mesmo conteúdo é replicado por dezenas de apoiadores.
É o caso da divulgação do conteúdo em que Bolsonaro é associado ao consumo de carne humana. Embora o TSE tenha proibido a divulgação na campanha de Lula, o vídeo pode ser encontrado facilmente em diversas plataformas.
No Facebook, a página denominada Desmascarando reproduz a entrevista em questão, concedida pelo atual mandatário ao jornal The New York Times, em 2016; a postagem acumula mais de 12 mil compartilhamentos. Até a publicação deste texto, mais de 240 mil pessoas visualizaram as imagens.
O conteúdo também é citado em uma matéria publicada no dia 7 de outubro, no site oficial do petista. Sob o título: “Assustador! Bolsonaro diz que comeria carne humana”, a postagem segue disponível.
Outro exemplo: o TSE determinou que o deputado eleito Nikolas Ferreira (PL-MG) retire do ar um vídeo em que o parlamentar insinua que o ex-presidente Lula incentivaria crianças e adolescentes a usarem drogas; mesmo assim, o material continua disponível na página do bolsonarista Jouberth Souza, e foi visto por mais de 100 mil pessoas.
Procedimento judicial
O TSE atua após ser acionado por uma parte, sejam campanhas ou Ministério Público, e decide sobre o conteúdo questionado na ação. Conforme determina a legislação eleitoral, deve ser comprovado o endereço da postagem (URL, por exemplo), assim como a prova de autoria da publicação, em qualquer rede social.
A Corte costuma definir as sentenças com certa agilidade; contudo, se for determinada a retirada de conteúdo divulgado na internet, a decisão judicial deverá estipular prazo razoável para o cumprimento da ordem – período que não poderá ser menor do que 24 horas. Nesse ínterim, autores das publicações costumam agir para difundir o conteúdo e tentar alcançar compartilhamentos e visualizações do maior número de eleitores.
“Apesar do direito à liberdade de expressão ser constitucionalmente assegurado, não é possível a sua utilização de modo abusivo. Entretanto, alguns indivíduos, cientes até das decisões judiciais que determinaram a remoção daquele conteúdo irregular, buscam meios e canais alternativos para continuar a replicar o material abusivo, maculando a normalidade da eleição”, explica o advogado Juan Nogueira, especialista em direito eleitoral.
Diante da recusa dos responsáveis pelas publicações de apagarem o conteúdo, há ainda situações em que o tribunal aciona as próprias plataformas para que o façam, em caso de insistência dos alvos das ações em desrespeitar as sentenças.
O advogado Mateus Naves, do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, defende que o cenário não representa uma brecha na legislação, e sim um sinal da complexidade de controle e fiscalização desses ilícitos eleitorais no espaço digital.
“A Justiça Eleitoral é, inclusive, célere e eficiente na retirada de conteúdos irregulares. No entanto, com o incentivo das próprias campanhas à disseminação de notícias falsas em favor da vitória eleitoral a qualquer custo, o combate não tem sido suficiente. Além do que já tem sido feito, e com resultados tímidos, o TSE deverá seguir em constante evolução, conforme demanda a evolução dos meios digitais e dos malfeitores em campanhas políticas. Fiscalização, aplicação de multas mais pesadas e conscientização da população”, frisa.
Fonte: Metrópoles
Créditos: Polêmica Paraíba