No momento em que o país enfrenta uma das maiores crises ambientais de sua história, com a tragédia do Rio Grande do Sul, o Senado inicia o debate de uma proposta de emenda à Constituição (PEC 3/2022) que, na realidade, abre caminho para a privatização das praias brasileiras, favorecendo a especulação imobiliária, além de prejudicar comunidades pesqueiras e poder agravar ainda mais os efeitos das mudanças climáticas.
A PEC 3/2022, também conhecida como PEC da Extinção dos Terrenos de Marinha, propõe a extinção e a transferência do domínio de áreas públicas da União, conhecidas como terrenos de marinha, para estados e municípios de maneira gratuita, para foreiros, cessionários e ocupantes por meio de pagamento. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, onde é relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A CCJ realizou um debate com especialistas na última segunda-feira(27).
Os terrenos de marinha são, respectivamente, áreas públicas que estão próximas ao mar, rios, lagos e lagoas, até a linha de preamar média (altura média da maré alta em um determinado local durante um período específico), sendo considerados bens da União (e não da Marinha). De acordo com a Constituição Federal, a União tem o domínio e a responsabilidade pela administração desses espaços.
“A proposta não privatiza a praia. Ela permite que prefeitos e governadores regularizem a participação da iniciativa privada. Logo ela é a porta para a privatização”, explica o biólogo Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na Baixada Santista.
PEC da Grilagem
O professor relata que há outras proposições em andamento no Congresso que efetivam a privatização. Uma delas – o PL 4.444/21 – estabelece que 10% da área costeira de cada município deverão ser cedidos à iniciativa privada.
“É uma PEC da grilagem, que permite que se regulamente que a iniciativa privada possa fazer algo”, ressalta Christofoletti.
Por favorecer a criação de praias privadas e a especulação imobiliária local, a proposta ganhou o apelido de “PEC da Cancun brasileira” – em referência ao point turístico mexicano, um dos mais conhecidos do mundo. Essa também foi a frase utilizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, durante o seu mandato, ao defender a revisão da legislação para a construção de complexos turísticos na costa brasileira.
Proteção das cidades
Segundo os ambientalistas, a PEC é extremamente negativa para o meio ambiente e prejudicial para os moradores e pequenos comerciantes, já que a zona litorânea é fundamental para os animais selvagens e a proteção de cidades, além da população vulnerável que tem a necessidade de viver nesses locais.
“Ela está colocando em jogo essa área próxima das linhas d’água, que, além de estarem sob gestão federal, são áreas naturais, de proteção, de resiliência climática, que necessitam ser cuidadas por conta de eventos extremos, além da biodiversidade; É tão esdrúxulo ter de explicar isso. O que está acontecendo no Rio Grande do Sul mostra como a força das águas pode destruir vidas, sociedades, culturas, economia, agricultura, pecuária, tudo”, finalizou o professor.
Conforme relatos de especialistas, a aprovação da PEC representa uma ameaça para áreas importantes para a alteração das mudanças climáticas, reduzindo a área de absorção de carbono, e abre caminho para graves impactos ambientais, como a degradação dos ecossistemas marinhos costeiros, colocando em risco a biodiversidade.
A zona costeira tem a função de um amortecimento natural contra o avanço do mar e de outros impactos do clima, ou seja, sua degradação elevaria o risco de desastres.