Opinião

A crise sanitária, a vacinação obrigatória e a busca por soluções constitucionais - por Eduardo Luna

O atual contexto decorrente da Covid-19 não representa nenhuma novidade na história da humanidade. Em verdade, o estirão da história nos revela a humanidade em meio a crises sanitárias e a bater-se na busca de soluções terapêuticas e profiláticas.

O atual contexto decorrente da Covid-19 não representa nenhuma novidade na história da humanidade. Em verdade, o estirão da história nos revela a humanidade em meio a crises sanitárias e a bater-se na busca de soluções terapêuticas e profiláticas.

Em conjunturas pandêmicas, o conflito que desde logo se apresenta põe em polos de análise o interesse ligado à saúde pública, de um lado, e, de outro vértice, a constelação de direitos fundamentais que, à vista de restrições profiláticas oriundas do Poder Público, vê-se à beira de limitações que afetam o exercício prático das prerrogativas jusfundamentais.

Numa ótica que abrange o conjunto de soluções levantadas ao redor dos países que compõem o nosso entorno cultural, fácil se detecta que a esfera particular dos cidadãos é posta em relações de sujeição que implicam a predominância de soluções sanitárias e vacinais ante a dinâmica contrária das singularidades existenciais que intentam resistir e seguir caminho oposto à coordenada imposta pelo Estado.

A imposição de vacinação à coletividade e o estabelecimento de embargos ou restrições às atividades próprias do comércio são exemplos que bem demonstram o nível da dificuldade que marca o tráfego do Poder Público num curso que contabiliza os efeitos de doenças infectocontagiosas e a necessidade de definição de planos de ação estatal.

Como não poderia deixar de ser, a envergadura das temáticas tratadas e a complexidade jurídica que lhes é inerente desafiaram – e continuam a desafiar – a inteligência de diversos Tribunais Constitucionais mundo afora, os quais, instados a deitar pronúncia ante as colisões de interesses em voga, munidos de critérios técnico-jurídicos – como exemplo, o manuseio do princípio da proporcionalidade -, têm definido o interesse público como prevalecente à volta de manifestações particulares ou mesmo de agremiações que pretendem o seguimento de carreira/estratégia oposta.

Avançando nossa análise sobre o tema, é imperioso aqui fixarmos que o princípio jurídico que preconiza o respeito e a promoção da dignidade inerente ao ser humano impacta agudamente o tratamento da matéria, ostentando, a um só tempo, a natureza de limite da ação estatal e finalidade a ser posta em prática.

Com efeito, as políticas públicas de saúde prestam-se ao atendimento de condições que propiciem dignidade à existência humana e, sobretudo num contexto de pandemia em trânsito, obedecem a limites inultrapassáveis que deitam raízes no citado princípio.

No Brasil, nosso Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, decidiu a respeito da compulsoriedade da vacinação e, à luz do limite representado pela dignidade humana, a par da finalidade pública que subjaz à questão proposta, ditou solução que, segundo pensamos, atende e concilia as facetas opostas da realidade complexa.

Na citada decisão, entendeu o Tribunal que a vacinação é obrigatória e decorre da incumbência de o Poder Público bem prover a saúde coletiva, daí extraindo-se o atendimento da dignidade da pessoa humana. Mais: como salvaguarda da mesma dignidade, definiu-se que não são admissíveis privações corporais como instrumento conducente ao adimplemento de vacinação generalizada.

Por fim, admitindo que a realidade é complexa e envolve um inevitável cruzamento de interesses conflituantes, pensamos que o peso atribuído à saúde pública é influente e, sim, deve preponderar na arquitetura de soluções que – observados limites que se prendem à dignidade humana – se contrapõem ao contágio massivo da sociedade.

Eduardo Luna é advogado Criminalista, Mestrando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba