Em um dia de calor atípico no inverno paulistano, dois homens de meia idade fazem sua caminhada matinal pelas ruas Dinamarca, Áustria, Suíça e Irlanda.
Uma empregada doméstica uniformizada anda com um cachorro na coleira e um jardineiro rega as plantas da fachada de uma mansão de quase um quarteirão de extensão e milhões de reais no Jardim Europa, um dos bairros mais nobres de São Paulo.
A poucos metros dali, na Rua Polônia, uma mulher bonita, maquiada e muito arrumada faz uma pose em frente a um imenso portão, como se tivesse acabado de sair de casa para um passeio e decidisse despretensiosamente postar o “look do dia” no Instagram.
Mas entre um clique e outro do fotógrafo profissional que a acompanha com um rebatedor de luz, ela enxuga o suor, troca de roupa na rua em uma tenda amarrada no porta-malas do carro e repete o processo cerca de setenta vezes no mesmo dia.
“Quem vê close não vê corre”, diz Paloma Sanchez Carvalho, que é influenciadora digital e modelo fotográfica de lojas do Brás, polo têxtil popular, que fica a cerca de 10 km dos Jardins.
Paloma é uma das profissionais autônomas cada vez mais requisitadas por grandes atacadistas, que usam o alcance das redes sociais para aumentar as vendas online.
Geralmente as parcerias são fechadas por coleção diretamente com as modelos, que contratam os fotógrafos, sem intermediação de agências.
“É tudo independente. Eles entregam as peças e dão uma quantidade de dias para entregar as fotos já prontas. A gente precisa retirar esses looks nas lojas, passá-los e daí a gente monta toda uma produção de brincos, sapatos. Tudo é nosso. Eu faço, em média, 70 looks e em torno de 1,5 mil fotos por dia”, afirma Paloma.
Thais Cardoso, que antes era bancária, também viu nas fotografias uma oportunidade de renda e de independência profissional.
“Esse mercado online cresceu bastante. As lojas aproveitam porque têm muitos lojistas de outras regiões do país. E como os custos ficaram muito altos, hoje em dia compensa mais vender pelo Whatsapp”, afirma a modelo.
Tanto Thais como Paloma citam a criatividade e a liberdade como principais vantagens do trabalho ao ar livre, longe de agências e estúdios.
“Eu fico mais à vontade. Ter liberdade de fazer o estilo que eu gosto, do jeito que eu gosto. Dá mais liberdade também para o fotógrafo pra gente poder trabalhar em sintonia”, diz Thais.
As ruas tranquilas e arborizadas escolhidas pelas influencers do Brás contrastam com a lotação do tradicional ponto de venda na região central da cidade de onde as roupas vieram.
“Nós escolhemos essa região por causa dos cenários, que ajudam muito para as nossas fotos. Mas também pela questão da segurança. Tem a questão de equipamentos, e até pela segurança das meninas também”, diz o fotógrafo Claudio Logatto.
Moradores reclamam
Mas nem tudo são flores. Alguns moradores se incomodam com a movimentação nas calçadas e expulsam os profissionais da frente das casas.
“A gente é expulso direto. Pra ir no banheiro também é bem complicado. Já aconteceu de gente jogar água na gente. Sempre tem um perrengue”, diz Paloma.
De acordo com funcionários da região, a polícia já chegou a ser acionada para separar brigas. Mas, no geral, a relação é harmoniosa.
“Tem dia que fica um trânsito de gente [nas calçadas]. Tem morador que reclama, já chegaram até a chamar a polícia. Mas algumas casas não ligam, aí eles já sabem e ficam na frente dessas”, diz Luis Ferreira, que trabalha em uma das guaritas da Rua Polônia.
Os moradores abordados pela reportagem não quiseram dar declarações.
Meu carro, minha vida
Para otimizar as horas de trabalho, o carro acaba sendo o principal ponto de apoio para toda a produção: serve de camarim, lanchonete e até refresco para o calor.
“Eu falo que meu carro é minha casa. Lá eu deixo minhas marmitinhas, minha garrafa d´água. Como a gente trabalha externo, acaba suando e a maquiagem não dura. Então às vezes dou uma ligadinha no ar condicionado pra dar uma refrescada e vou retocando a maquiagem”, conta Thais.
Barracas de camping também são muito utilizadas para a troca das roupas.
“Ali [na barraca] a gente se troca porque aí não fica tão complicado. Quando não tem, a gente consegue usar também. A gente coloca uma roupa em cima da outra, então a gente se vira. Mas é melhor ali que é mais confortável, a gente consegue fazer uma produção mais certinha”, diz Paloma.
Fonte: G1
Créditos: G1