A curva de novos casos confirmados de coronavírus no Brasil reverteu a tendência de queda, e, desde a última semana, voltou a subir.
Dados do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, compilados a partir de estatísticas do Ministério da Saúde e baseados na média dos sete dias imediatamente anteriores, revelam que o número de casos confirmados de covid-19 está em trajetória ascendente — e “deve continuar assim”, diz Domingos Alves, coordenador do LIS.
Esse método, que leva em conta a média dos sete dias anteriores, é usado para corrigir possíveis distorções na contabilização dos números.
Um levantamento realizado pela agência de notícias Reuters reforça essa tendência de alta.
Quase 40 países, incluindo o Brasil, registraram recordes diários de infecções por coronavírus na semana passada, o dobro do verificado na semana anterior, segundo a Reuters.
Na última sexta-feira (24/07), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o mundo registrou 284.196 novos casos em um único dia, um recorde.
A alta foi puxada por Estados Unidos e Brasil, que responderam por quase a metade das novas infecções. A marca anterior era de 259.848 em 18 de julho.
No mundo, já são mais de 15,7 milhões de casos confirmados de covid-19 e 640 mil mortes.
O número de casos vem aumentando não apenas em países como Estados Unidos, Brasil e Índia, mas na Austrália, Japão, Hong Kong, Bolívia, Sudão, Etiópia, Bulgária, Bélgica, Uzbequistão e Israel, entre outros.
No Brasil, o número de novas infecções por dia atingiu um pico de 45.665 no último sábado, considerando a média dos sete dias anteriores. Na semana anterior, esse número era aproximadamente 30% menor, 33.573.
Mas por que isso vem acontecendo?
Três pontos principais têm chamado a atenção dos especialistas:
1) Interiorização
Alguns Estados onde as capitais registraram uma redução no número de casos passaram a verificar um aumento no número de casos em seu interior.
É o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, por exemplo.
“O agravamento dessa interiorização pode ser vista por volta do dia 20 de julho nesses três Estados”, diz Alves.
Alves assinala que a média móvel de óbitos nessas unidades da federação permanece “em alta” nas últimas semanas.
Ele diz acreditar que os casos do interior devem começar “a suplantar os da capital”. Esse efeito, segundo Alves, também tem o potencial de voltar a afetar as capitais em médio prazo.
“Chamamos isso de ‘efeito bumerangue’. Além disso, as quedas no número de casos nas capitais desses Estados não são estáveis.”
Alves argumenta que não se pode falar ainda de “imunidade de rebanho” (também chamada “imunidade de grupo” ou “imunidade coletiva”).
Ela ocorre quando uma parte suficientemente grande de uma população está imune (protegida) contra essa doença e contribui para que esta não se dissemine. Como ainda não há uma vacina contra a covid-19, essa imunidade de rebanho só seria alcançada por uma imunidade “natural” desenvolvida por uma parte importante da população, depois de ter sido infectada.
Mas muitos especialistas advertem que a imunidade de rebanho não seria a melhor estratégia para vencer o coronavírus.
Além disso, ainda restam muitas dúvidas quanto à imunidade que desenvolvemos contra essa doença. Um estudo recente da Universidade King’s College em Londres, no Reino Unido, mostrou que pacientes que se recuperam de covid-19 possivelmente perdem a imunidade em um prazo de meses.
“O que aconteceu foi um fenômeno conhecido como ‘bolhas de proteção’. Essas bolhas podem estourar nas próximas semanas, devido ao relaxamento das medidas de isolamento social com a reabertura, e podemos começar a ver um agravamento da situação”, acrescenta.
Um estudo recente realizado por pesquisadores da iniciativa Ação Covid-19, dedicados a estudar a evolução da doença, mostrou que o ritmo de desaceleração do número de casos de coronavírus estaria relacionado à formação de “bolhas de proteção” em cidades como São Paulo.
“Se formaram bolhas de proteção na cidade de São Paulo, em que grupos com muitos infectados e grupos quase sem infecções não interagem. Isto explica por que o ritmo da doença desacelerou na cidade, sem chegar à imunidade comunitária. Também mostramos que um eventual aumento da circulação pode estourar essas bolhas”, dizem os autores do estudo.
2) Aumento de casos no Sul e Centro-Oeste
Nas últimas semanas, houve um aumento expressivo de novos casos de coronavírus no Sul e no Centro-Oeste, até então regiões que tinham conseguido controlar o contágio da doença.
Em Santa Catarina, por exemplo, a média móvel dos novos casos chegou a 3274 no último dia 28 de julho, uma alta de 254% comparada à do dia 1 de julho.
O mesmo aconteceu no Paraná e no Rio Grande Sul.
Em Curitiba, onde mais de 90% dos leitos UTI (Unidade de Terapia Intensiva) estão ocupados, os casos estão aumentando exponencialmente. Ainda assim, academias e shopping centers seguem reabertos. A cidade está “no olho do furacão”, destaca a física Patricia Magalhães, pesquisadora da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Já na região Centro-Oeste, Goiás vem registrando uma forte alta no número de novos casos desde o último dia 21 de julho.
3) Aumento de casos em Minas Gerais
O Estado vinha controlando o contágio da doença, mas, a partir de junho, tem registrado um aumento no número de casos e óbitos.
Bastaram, por exemplo, apenas vinte dias para que Minas Gerais dobrasse a marca de mil mortes pelo novo coronavírus.
Apesar de a média de mortes por 100 mil habitantes ser mais baixa do que seus vizinhos do Sudeste, o Estado apurou, nos primeiros 20 dias de julho, em média 52 mortes por dia e 2.339 novos casos.
Segundo Alves, em Belo Horizonte, que até então, tinha sido bem-sucedida em controlar a pandemia, o número de casos aumentou — e a taxa de ocupação das UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo) voltou a subir, atingindo 92%, patamar semelhante ao início deste mês.
Já Uberlândia, a segunda cidade mais populosa do Estado, com quase 700 mil habitantes, é um dos epicentros da pandemia no Estado.
Cerca de 90% dos 853 municípios mineiros já registraram casos de coronavírus.
Segunda onda?
Apesar dos aumentos no número de casos, Alves diz acreditar que não está havendo uma segunda onda.
“O que temos visto é consequência ainda da primeira onda. As curvas do Brasil e dos países que realizaram confinamento em massa de sua população ou até mesmo mantiveram-se de portas abertas, como é o caso da Suécia, não são comparáveis”, ressalva.
“O que tem acontecido no Brasil é muito mais parecido ao que acontece nos Estados Unidos”, conclui.
Fonte: Terra
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