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Terra: 'Okaida' e 'Estados Unidos' travam guerra dentro e fora das cadeias no Nordeste

Os dois grupos surgiram nas prisões paraibanas e vivem em confronto. Por isso, quando a série de rebeliões e massacres em prisões do Amazonas, Roraima e na vizinha Rio Grande do Norte foram deflagradas, a Paraíba entrou em estado de alerta.

Na Paraíba, uma guerra peculiar inspirada no conflito entre os EUA e os fundamentalistas islâmicos da Al Qaeda é travada diariamente dentro e fora das cadeia. As organizações criminosas que se autointitulam “Estados Unidos” e “Okaida” – forma abrasileirada de dizer Al Qaeda – disputam o comando do narcotráfico no Estado e tensionam o sistema penitenciário, informa reportagem do Terra.
Os dois grupos surgiram nas prisões paraibanas e vivem em confronto. Por isso, quando a série de rebeliões e massacres em prisões do Amazonas, Roraima e na vizinha Rio Grande do Norte foram deflagradas, a Paraíba entrou em estado de alerta.
“É um barril de pólvora. É preciso monitorar 24 horas e manejar o banho de sol. Se encontrarem, com certeza tem briga”, afirma o tenente-coronel Carlos Eduardo Santos.
Santos é policial militar, ex-diretor de presídio e ex-integrante do serviço de inteligência da secretaria de assuntos penitenciários da Paraíba. É também autor de uma tese de mestrado sobre origem e atuação dos dois grupos que, segundo ele, adotaram os nomes inspirados na “guerra ao terror” deflagrada pelos EUA contra os fundamentalistas islâmicos da Al Qaeda.
Primeiro, por volta de 2004, surgiu a “Okaida” ou OKD, “o jeito que encontraram de falar e escrever Al Qaeda”, explica o militar. O grupo rival imediatamente se autobatizou de “Estados Unidos”. Desde então, estão em disputa.
Os dois grupos reproduzem o modelo de outras facções como o PCC (Primeiro Comando da Capital) dando proteção dos integrantes presos, que também é estendida aos familiares mais desamparados do lado de fora, sustentada pelo pagamento de uma espécie de dízimo.
“Passaram muito tempo ouvindo sobre Bin Laden. A inspiração se limita ao nome, não tem nada a ver com religião. É disputa por território e drogas”, explica o tenente-coronel.
Monitoramento
A Secretaria de Estado da Administração Penitenciária da Paraíba informou, por meio da assessoria de imprensa, que “está utilizando todos os recursos disponíveis para manter o sistema penitenciário paraibano dentro da normalidade, levando-se em conta a realidade que estamos acompanhando em outras unidades da federação”.
“A Seap está monitorando, através do setor de inteligência, os apenados que exercem liderança sobre os demais detentos dentro das unidades penais e isolando os mesmos, para evitar que se organizem e causem qualquer tipo de dano aos nossos servidores, à infraestrutura das unidades e consequentemente, à sociedade”, esclareceu a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária da Paraíba.
A situação, contudo, parece ser menos dramática que a de Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte. Segundo o tenente-coronel Carlos Santos, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho são facções sem muita presença no sistema penitenciário paraibano – o que não significa que não há detentos que se declaram integrantes dos grupos de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente, conforme pesquisa que Santos fez com detentos.
O PCC é suspeito de estar envolvido nas disputas com facções locais onde houve rebelião com mortes no final de 2016 e no início deste ano.
No Amazonas, 60 presos supostamente ligados à facção morreram após um motim no Complexo Penitenciário Anísio Jobim. Eles teriam sido assassinados por membros da rival FDN (Família do Norte). No conflito que aconteceu em Roraima, onde 33 homens foram mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, o PCC também é suspeito de estar envolvido.
Após rebeliões no Rio Grande do Norte, que duraram 14 horas, 26 detentos foram mortos na Penitenciária Estadual de Alcaçuz e no Pavilhão Rogério Coutinho Madruga, em Nísia Floresta, a 25 quilômetros de Natal. Seis presos do PCC foram identificados como responsáveis por liderar a matança contra membros do grupo chamado Sindicato RN.
Mataram o emissário
O tenente-coronel Carlos Santos conta que o PCC bem que tentou costurar um acordo de paz na Paraíba para conter a disputa entre os dois grupos locais e poder operar sem a repressão ostensiva da polícia, mas o emissário da organização paulista foi assassinado.
“Okaida e Estados Unidos são rivais ao extremo e a filosofia deles não se encaixa na do PCC. Deixaram o estatuto do PCC em cima do cadáver”, lembra Santos.
Durante sua pesquisa, ele entrevistou vários detentos, a maioria deles associados a um dos dois grupos paraibanos e constatou que há um crescimento na Paraíba do número de integrantes da Okaida e dos Estados Unidos.

“Atraem jovens, a maioria sem perspectiva, sem emprego e com famílias desestruturadas. São vítimas de espancamentos, pais alcoólicos e da ausência de uma ação mais efetiva do Estado em questões ligadas à cidadania, educação e lazer”, observa o policial militar.
Bandeira, carpa e coringa
A marca dos dois grupos está em pichações em muros e paredes e também na pele de seus integrantes. As letras “OKD” aparecem onde a Okaida domina. Tatuados no corpo de seus integrantes estão a imagem de Chucky, o “boneco assassino”, ou de um palhaço macabro, às vezes fumando ou empunhando armas.
Presos dos Estados Unidos, por sua vez, têm o costume de tatuar a bandeira dos EUA ou uma carpa.
“O interessante, do meu ponto de vista, foi constatar que as chamadas facções fornecem uma certa segurança ontológica aos presos. Jovens, com menos de 25 anos, com poucos anos de estudos e com passagens anteriores pela polícia, eles chegam com grande vulnerabilidade ao sistema prisional. Têm, quando têm, o apoio de uma mãe, namorada ou esposa. Geralmente, as redes de apoio familiar são restritas”, observa o professor Edmilson Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que orientou a tese de Carlos Eduardo Santos.
O militar diz que ainda não há indícios para afirmar que os dois grupos estejam expandindo suas ações para outros Estados, como Pernambuco.
Santos admite que, de dentro da prisão, eles dão ordens para fechar escolas e impor toque de recolher em determinados pontos de João Pessoa, a capital paraibana.
Tanto a polícia quanto a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária da Paraíba dizem apostar em inteligência para conter a ação dos dois grupos e minimizar os atos de violência promovidos por eles.
Mas ainda falta entender melhor como se dá as redes de contatos e a socialização dos integrantes. O próximo desafio do tenente-coronel Carlos Santos como acadêmico, diz ele, é tentar identificar se há alguma relação desses grupos com as torcidas organizadas de futebol que atuam no Estado. “Quem sabe não vira meu projeto de doutorado.”