Dados inéditos do Mapa da Violência de 2016 mostram que os assassinatos cometidos com armas de fogo já representam anualmente 71,7% do total desses crimes no País, com 42,3 mil mortes. A porcentagem é recorde em todo o período em que as estatísticas são registradas, desde 1980. O número representa uma evolução significativa em comparação com aquele período, quando a proporção era de 43,9%, mas está relativamente estável nos últimos dez anos.
A análise compõe o mais tradicional estudo de violência letal do Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), que deve ser divulgado em julho. O Estado teve acesso aos dados, que mostram também a consolidação do avanço da criminalidade na Região Nordeste, reforçando uma tendência identificada desde o início da década.
A taxa de homicídios por armas de fogo por 100 mil habitantes na região é de 32,8, ante 21,2 da média nacional. Na outra ponta, a quantidade na Região Sudeste é de 14 dessas mortes por 100 mil habitantes, taxa que apresentou queda de 41,4% nos últimos dez anos.
O estudo usa dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), referentes a 2014, os registros mais recentes disponíveis. “Entre 1980 e 2003, o crescimento dos homicídios por armas de fogo foi sistemático e constante, com um ritmo enormemente acelerado: 8,1% ao ano”, descreveu a análise.
“A partir do pico de 36,1 mil mortes, em 2003, os números, em um primeiro momento, caíram para aproximadamente 34 mil e, depois de 2008, ficam oscilando em torno das 36 mil mortes anuais, para acelerar novamente a partir de 2012”, acrescenta a pesquisa.
A maior taxa estadual desse tipo de crime continua pertencendo a Alagoas, com 56,1 assassinatos por 100 mil habitantes. No estudo do ano passado, a taxa estava em 55. Já a maior evolução dessa taxa entre 2004 a 2014 aconteceu no Rio Grande do Norte, onde o crescimento foi de 379,8%.
A análise ressaltou que “em curto espaço de tempo, (os Estados do Nordeste) tiveram de enfrentar uma pandemia de violência para a qual estavam pouco e mal preparados”. Já o número referente a São Paulo foi o segundo menor do País em 2014, com uma taxa de 8,2. Na variação dos últimos dez anos, o Estado também aparece como um destaque positivo: há redução de 57,7%.
Armamento. Apesar de o número continuar elevado, o coordenador da pesquisa, professor Julio Jacobo Waiselfisz, ponderou um fator positivo na gestão da segurança pública no País nos últimos dez anos. “Efetivamente, a participação das armas de fogo no total de homicídios praticamente duplica, pula de 36,6% em 1983 para 70,7% em 2004, ano que entra em vigor o Estatuto do Desarmamento. A partir dessa data, estagna: até 2014 essa participação aumentou só 1% em toda a década”, disse ao Estado.
Para Waiselfisz, o único fator que explica essa estagnação é o Estatuto, que, “ao retirar acima de 600 mil armas de circulação, possibilitou estagnar a espiral de violência que vinha imperando no País”. Tramitam no Congresso Nacional, porém, propostas que visam a afrouxar a legislação de controle de armas, revisando o Estatuto do Desarmamento e objetivando conceder a posse e o porte de armas de fogo a diferentes categorias profissionais, como advogados e agentes penitenciários fora de serviço.
O professor criticou o avanço dessa pauta. “Temos farta evidência de pesquisas, tanto nacionais quanto internacionais, que permitem sustentar com sólidas evidências que, quanto mais armas em circulação na população, mais mortes, seja por homicídio, seja por suicídio ou acidentes”, disse Waiselfisz.
A reportagem contatou o Ministério da Justiça e as Secretarias de Segurança do Rio Grande do Norte e Alagoas, que não se pronunciaram.