Um dia meio nublado, meados de setembro de 2010. Por volta de quatro da tarde, o Trio Girassol estacionou na frente da Praça da Cultura, em Esperança. Logo atrás do meio caminhão, uma portentosa cabine dupla de onde desceram Ricardo Coutinho e dois assessores.
O motorista do candidato a governador também apeou e engrossou a comitiva que se formou na calçada da praça, onde os visitantes foram recebidos por Nivaldo Magalhães, ex-vereador local, ex-presidente da Emepa, então coordenador da campanha socialista na cidade.
Meia hora depois, apesar de o trio tocar músicas, jingles e o locutor anunciar com duas centenas de decibéis que “o futuro governador da Paraíba” estava ali, dando sopa, só meia dúzia de três ou quatro gatos pingados encostou pra falar com bandleader da Nova Paraíba.
(Parêntese: ‘dando sopa’ não significa que Ricardo estava fazendo em Esperança o que Toinho do Sopão fazia na Lagoa, na Capital, antes de se eleger deputado. ‘Dando sopa’, lá em nós do Brejo, quer dizer estar disponível, acessível, do jeito que fica todo candidato em campanha).
Pois bem, reza a lenda que o Mago começou a se agoniar e a se irritar com a indiferença do povo de Esperança e já se preparava pra levantar acampamento quando um guru do Coletivo RC, recém chegado, expôs idéia luminosa e salvadora.
– Ricardo, liga pro homem que ele está numa cidade pertinho daqui – sugeriu o arguto companheiro, sugestão prontamente acolhida pelo candidato, que sacou o telefone celular e apertou o ‘send’.
– Diga aí, Doutor, qu’é que manda? – atendeu de prima, do outro lado da linha, Cássio Cunha Lima, tão logo identificou no visor do seu Goldvish a sigla RC piscando nervosamente.
– Nada não, camarada, mas é que eu tô aqui em Esperança e me disseram que você estaria na região… Aí eu pensei: “Poxa, custa nada dar uma força a Cássio!”. Tu num quer vir aqui não, fazer uma presença? Olha, eu tô aqui numa praça que fica mesmo de frente pra Matriz. Facinho de achar.
– E eu tô num arrastão aqui em Pocinhos, vou dar uma passada rápida em Areal e chegou já já por aí – prometeu o candidato a senador.
De fato, não demorou trinta minutos e a biturbo de Cássio entrou em Esperança. Entrou e parou na frente da Matriz de Nossa Senhora do Bom Conselho, onde o ex-governador desceu do carro pra ver direito onde estaria a multidão que julgava existir em torno de Ricardo Coutinho.
Cássio correu os olhos pela Avenida Manoel Rodrigues, que vai da calçada da igreja à Praça da Cultura, e o mais aproximado que encontrou de campanha foi a meia dúzia de três ou quatro que trezentos metros adiante cercava o Mago.
O ex-governador até tentou entrar no carro novamente para cumprir o resto do trajeto que o levaria ao encontro de Ricardo. Tarde demais. Num instante, ele e sua camioneta foram cercados por umas cem pessoas.
Mais um pouco e começou a sair gente pelo ladrão… De dentro da matriz, das lojas, das casas, de farmácias, pousadas. E todo mundo vindo pra cima dele. Todos e todas querendo falar, pegar, dar um aperto de mão, abraço ou beijo no cara.
Da praça, vendo ao longe aquela movimentação toda, Ricardo perguntou a Nivaldo: “É briga, é, aquilo lá, na frente da igreja?”. E Nivaldo: “Acho que não, deve ser procissão saindo…”.
Em menos de cinco a procissão chegaria até eles, trazida pelo próprio ‘santo’. E a pé, em vez de vir no andor. Atrás e em volta de ‘São Cássio’, já era mais de mil.
Os candidatos a governador e a senador finalmente cumprimentaram-se rapidinho e tão rapidamente quanto subiram no palanquezinho retrátil do Trio Girassol. O locutor, ainda mais rápido, caprichando chamando ‘Cássio Cunnnnnnnnnnnnnnnha Limaaaaaaaaaaaaaaa’ pra falar.
Cássio agradeceu a primazia de oratória e explicou que seria ligeiro, porque tinha compromisso em Lagoa de Roça, onde deveria estar antes de sete da noite. De qualquer forma, mesmo com pressa o homem incendiou a galera com uns cinco minutos de falação, num discurso que encerrou mandando o seu clássico ‘abraço pra quem é abraço, beijo pra quem é beijo, paz e bem’.
Desceu do palanque e se dirigiu, novamente a pé, na direção da entrada da matriz, onde seu carro ficara estacionado, com o motorista aguardando. Pra quê, meu Pai? A multidão que acompanhara Cássio até a Praça da Cultura foi embora junto.
Vendo aquilo, segurando um microfone e a dúvida sobre se valeria a pena falar ou não para a meia dúzia de três ou quatro que lhe sobrara, Ricardo limitou-se a se despedir friamente dos circunstantes, enrolou a bandeira e saiu dali fumaçando.
Não se sabe até hoje se a fumaça era de ódio ou de decepção. De qualquer maneira, o candidato a governador e sua equipe aprenderam uma lição e a puseram em prática nos eventos seguintes da campanha.
A primeira chance pós-Esperança ocorreu numa cidade do Vale do Piancó, onde os três principais candidatos da Coligação – Ricardo, Cássio e Efraim Morais – participariam de um mesmo comício.
Antes da montagem do palanque, a mesma história, o mesmo cenário: a rua meio deserta, o povo meio desanimado… Mas, dessa vez, o Mago não ficou de bobeira no meio da rua, aguardando o astro principal.
Ricardo e comitiva resolveram fazer um pit-stop na entrada da cidade, onde esperaram estrategicamente a caravana cassista chegar e passar. Pararam num boteco e fizeram que estavam tomando alguma coisa. Quando Cássio ia passando, viu, parou e abordou.
– E aí, vamos nessa?
– Vá na frente, camarada, que eu chego já. Tô só tomando um guaranazinho aqui, pra refrescar, e tenho que ficar um tempinho que é pra receber um telefonema de casa. Depois que a gente chegar lá, já viu, né? Vamos nem poder conversar – justificou-se.
Cássio entendeu e seguiu viagem até o centro da cidade, onde desembarcou para protagonizar o de sempre: atraído por sua presença, formou-se rapidamente um bom e entusiasmado público para o comício.
Dez minutos mais tarde, o governador finalmente apareceu. Encontrou, lógico, o ambiente prontinho da Silva pra ele dar o seu show. Mas o show, mais uma vez, seria de Cássio. A diferença é que, dessa vez, Ricardo chegou junto do locutor, aproximou a boca do ouvido do rapaz e passou a ordem:
– Olhe aqui, rapaz, preste muito bem atenção. Você chama primeiro Efraim; depois me chama e deixa pra chamar Cássio por último. Ouviu bem?