Gilvan Freire
Começa a desenrolar-se, agora, o novelo do mistério de um labirinto, através do “Fio de Ariadne”1 . Labirinto quer dizer “lugar de passagens complicadas que dificultam a saída. Coisa complicada, confusa”2 . Está na Enciclopédia Mirador, uma definição curiosa e atual, apropriada para o caso presente: “Edifício dividido internamente em numerosos compartimentos que se comunicam por passagens tortuosas”.
O edifício cavernoso de que estamos falando é o Shopping Manaira, que assim como o dono tem duas identidades, uma na superfície e a outra nos subterrâneos. Somente seremos honrados e honestos se conhecermos esses dois mundos dos seres anfíbios, onde crias da mesma espécie mergulham e emergem ao sabor do tempo e da necessidade de viver. E onde se protegem contra os curiosos que querem saber demais acerca do ambiente e das relações existentes com seres da mesma e de outras raças.
É hora de se saber tudo a respeito desses seres exóticos, não porque não possam ter direito à privacidade, e sim porque se consorciaram com o poder público, uma instituição que não pode ser anfíbia e subterrânea porque tem entre os sócios um tipo de ser coletivo universal chamado povo.
O bem público, seja dinheiro em espécie ou um simples terreno, só pode ser transacionado durante o dia e na presença dos sócios coletivos, para que ninguém alegue mais tarde o desconhecimento ou ponha suspeita sobre atos de seu legítimo interesse. Não valem esses holofotes de escafandristas que procuram tesouro no fundo do mar. Há de valer somente a luz solar, sem eclipse ou nuvens espessas. Tudo à mostra de todos e a bem da transparência, um princípio que por si só atesta as corretas ações e também as boas intenções dos gestores públicos. É negócio que só pode ser feito em cima da mesa, e não debaixo.
Quando os administradores de interesses coletivos precisam do aval do povo para seus atos, a primeira coisa que devem fazer e publicizá-los. Mas quando os interesses são apenas de alguns, dentre os quais os próprios administradores, a tentação é para escondê-los.
Roberto Santiago no retrato original
Quaisquer que sejam os atropelos e desafios que RS possa ter enfrentado nos primeiros momentos de sua vida profissional, o que é normal a todos os homens de negócios, seu maior mérito é a persistência. Embora se dê hoje ao luxo de gastar parte de seus lucros visitando as estações de esqui mais sofisticadas e caras do planeta e de transitar pelos lugares mais encantadores do circuito turístico internacional, RS ainda se dedica de 10 a 12 diárias ao trabalho. Às vezes, até 14 horas. Nesse sentido, o fato de possuir automóveis acima de um milhão de reais e avião a jato à sua espera no hangar, não deve ofender ou incomodar a ninguém, porque é a miserabilidade dos que têm muito e nada gastam que irrita e agride aos que nada têm. Miserável não é um pobre, é o homem rico que trabalha tanto ou mais do que RS, tem patrimônio próximo ou maior que o seu, mas não tem vontade de gastar consigo e com sua família. Grosso modo, esses miseráveis morrem sem saber para que viveram e suas fortunas se dissipam nas mãos dos que não a construíram. É puro castigo.
Pai e filho e o DNA dos negócios
Divaldo da Nóbrega, pai de Roberto Santiago, falecido ultimamente, foi um empreendedor notável. Ele tinha os olhos voltados para a cidade que amou não menos que a si mesmo e ao filho. Industrial do café líder da capital, foi também um dos pioneiros dos negócios imobiliários e precursor dos loteamentos urbanos. Mas apostava mais no filho, um garoto magricela que tinha o tino do Rei Midas (o mito que, segundo as lendas, no que tocava virava ouro), e uma desenvoltura espantosa. Pai e filho se juntaram para ganhar dinheiro honestamente à custa de “sangue, suor e lágrimas”, como dizia Churchill referindo-se às vitórias de guerra.
Nos primórdios, os negócios de pai e filho não deram os resultados esperados, por razões limpas mas infortunadas, e então Divaldo recuou para que o filho realizasse sozinho, com seu imenso talento e fôlego, o que teria sido o sonho dos dois. E, a partir daí, RS teve a seus pés o mundo e os homens. O ex-ditador Sukarno da Indonésia vangloriava-se dizendo: “tenho o mundo e as mulheres aos meus pés”. Já não tem mais. Há tempos que não tem.
Enquanto o velho Divaldo se recolhia à antiga casa que sobrou do naufrágio, na Praça Pedro Gondim, onde montava engenhocas em miniaturas e cultivava flores exóticas e belos bonsais, RS prosperava construindo fortuna e relações privilegiadas com líderes políticos. Mas o pai era mais feliz que um construtor de transatlânticos, porque já não desejava correr atrás de dinheiro.
Nada impediu, contudo, que RS construísse também para Divaldo o melhor pedaço de suas enormes edificações: uma sala vizinha a sua, no Shopping Manaira, onde o pai possuía um gabinete e de onde trocavam olhares, confidências e admiração recíproca. Ali, no centro daquele império, um realizava o sonho dos dois. E quando o grande timoneiro morreu, em fevereiro de 2010, aos 80 anos, assistido pelo filho e todos os recursos da Medicina, RS sentiu faltar-lhe chão, porque aquele gabinete sem o pai lhe pareceria noutro shopping, e não no dele. Mesmo que o velho Divaldo tenha morrido feliz, porque só deseja ver a felicidade na vida do próprio filho. Viveu muito e viu.
O filho de Divaldo Santiago é também um grande filho para sua mãe, um pai extraordinário e esposo exemplar.
Do outro lado da linha
Não será pelo lado dessa relação familiar referência que a questão dos terrenos do Estado e o shopping será analisada. O que está em causa não são esses bons sentimentos de família. Fosse assim, o poder público estaria devendo muito a pai e filhos extraordinários e pobres que procuram o Estado e os governos, e não acham.
Se recursos do Estado podem servir a um só cidadão, é preciso antes saber se a outros em iguais condições pode servir. Para que um goze a proteção do poder público, é necessário que todos os outros tenham o mesmo direito de gozar. O Estado não é um pai generoso de um filho só.
Avancemos. Até terça-feira.