O Estado de S.Paulo
O ano de 2013 foi muito bom. Muito didático. Aprendemos a ver as coisas pelo lado torto. Ótimo, pois nossa verdade está no avesso. Aprendemos que corrupção no Brasil não é apenas endêmica; é eterna. Ela está encravada na alma de nossos políticos. Corrupção é vida. Foi através dela que construímos esse país, no adultério entre o público e o privado ou entre o “púbico e a privada”. Daí nasceu nosso mundo: estradas rotas, a espantosa construção de Brasília, onde já gastamos trilhões de dólares com passagens aéreas para homens irem ao Planalto implantar perucas ou visitar as amantes e casas de mães joanas.
Aprendemos que apenas 30% da população é realmente alfabetizada. O resto é analfabeto funcional que assina o nome, mas não sabe mais nada. E isso é bom para eleições, pois um povo ignorante é ótimo para eleger canalhas.
No entanto, tudo tem um lado bom, nossa estupidez estimula uma criatividade cultural de axés e garrafinhas, aumenta a fé com milhões de novos evangélicos dando dinheiro para pregadores traficantes, estimula a boçalidade combativa, como as emocionantes batalhas entre torcidas, shows de MMA espontâneos nas arquibancadas. Estupidez é entretenimento. O País já virou novela de suspense. É uma escola. Com a prisão dos mensaleiros, enxergamos que nosso sistema penitenciário é o inferno vivo. Estupradores, chacinadores protestam contra o conforto dos petistas. Finalmente, Zé Dirceu conheceu a luta de classes e foi-nos útil: iluminou-nos sobre o sistema carcerário.
Vimos como a escrotidão e o idealismo são primos. Neste ano aprendemos, por exemplo, que não existe primavera, nem árabe nem brasileira. E isso é mais realista. Chefes de Estado preferem secretamente que o Assad ganhe a guerra contra a Al-Qaeda que já tomou conta. Menos esperança, mais sabedoria. O mundo ganhou um pessimismo iluminado. Graças ao bravo ‘nerd’ Snowden, que revitalizou o Putin da Rússia, o líder da moda que protege a destruição da Síria, prejudicou o Obama e abriu portas para novos ataques do terror. Ou seja, aprendemos que tudo se ramifica em contradições inesperadas, que um bem pode virar um mal e um ‘hacker’ babaca pode mudar o mundo.
Já sabemos que milagres acontecem, mas são logo destruídos. Milhões se ergueram em junho numa aurora política aparente, mais uma ‘primavera’; no entanto, os black blocs, espécie de Al-Qaeda punk de imbecis, vieram nos lembrar da realidade: estupidez e mediocridade política são a clássica realidade brasileira. Enquanto Sarney reina, Agnello Queiroz se agarra no Lula e Jacques Wagner destrói a Bahia, já sabemos que os horrorizados cariocas, chocados com o grande “crime” do helicóptero do Cabral vão eleger a nova catástrofe: nosso Estado governado ou pelo Garotinho, Crivella ou Lindinho. Será o fim do Estado do Rio, durante a olimpíada. Vivam os cariocas, as bestas quadradas do apocalipse! Pedem para ser mortos duas vezes.
Já sabemos também que “a infraestrutura sórdida do País foi culpa dos governos anteriores”. Ao menos foi o que disse a Dilma diante de FHC e do Clinton (que vexame…) depois de 11 anos do PT no poder. Só não sabemos o que o PT fez em 11 anos, mas isso é curiosidade de neoliberais canalhas, o que será corrigido com a reeleição de Dilma, quando teremos uma regulamentação bolivariana nessa mídia conservadora que teima em estragar os prazeres da mentira. Finalmente entendemos que quem fez o Plano Real não foi o FHC, como afirma a mídia de direita; foi o Lula, com preciosa ajuda de Mantega.
Já entendemos que a Dilma é brizolista. Também já sabemos que o Brasil anda na contramão dos próprios velhos países socialistas como China e Vietnã. Como escreveu Baudrillard: “O comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação brutal”, vide o novo eixo do mal da A.Latina. Nós somos um bom exemplo desconstrutivo do que era o comunismo.
Já sabemos que privatização se chama hoje concessão, que lucro ainda é crime e que aos poucos os empreendedores que fizeram o País, antes do PT existir, são aceitos ainda com relutância pelos donos do poder.
Já sabemos que nosso ministro da economia é a própria Dilma, pois o Mantega só está lá porque ela manda nele. Por que não bota o Delfim, ou o Palocci que já salvou o Brasil uma vez? Ele é um dos petistas respeitáveis. O outro morreu há pouco – Marcelo Déda, raridade, inteligente, com senso de humor e do bem.
Neste ano, aprendemos: a justiça não anda sozinha. Se não fossem dois grandes homens, Ayres Brito e Joaquim Barbosa, nada teria acontecido. Aprendemos que o Mercosul tem de acabar. Aprendemos que o legislativo só funciona no tranco de ameaças do povo. Agora já perderam o medo de novo.
Já sabemos que a política tem sido um espetáculo, como um balé. No Brasil, a política já é um país dentro de outro, com leis próprias, ética própria a que assistimos, impotentes. Os fatos perderam a solidez – só temos expectativas. E tudo continuará. Saberemos no ano que vem quantos campos de futebol de floresta foram destruídos por mês nas queimadas da Amazônia, enquanto ecochatos correm nus na Europa, fazendo ridículos protestos contra o efeito estufa; saberemos quantos foram assassinados por dia, com secretários de segurança falando em “forças-tarefa” diante de presídios que nem conseguem bloquear celulares, continuaremos a ouvir vagabundos inúteis falando em “utopias”, bispos dizendo bobagens sobre economia, acadêmicos decepcionados com os ‘cumpanheiros’ sindicalistas, enquanto a República continuará a ser tratada no passado, com as nostalgias masoquistas de tortura, ressurreição de Jango e JK, heranças malditas, ossadas do Araguaia e nenhuma reforma no Estado paralítico e patrimonialista. Não vivemos diante de “acontecimentos”, mas só de “não acontecimentos”.
Repito a piada: não sou pessimista; sou um otimista bem informado.
Continuaremos a não acontecer em 2014.