Boas-novas para todos em 2014, boa sorte para os viventes, boa morte para os moribundos. No Cemitério do Bonfim, em Belo Horizonte, há uma frase latina no pórtico majestoso: morituri mortuis. Em vernáculo, longe do viés sintético da língua dos césares, em tradução expressiva, significa “dos que vão morrer aos mortos”. É saudação amigável e profunda a nos unificar no que é radicalmente comum à condição humana: a morte.
Melhor imitarmos o filósofo grego Epicuro na carta a Meneceu: “A morte não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos”. Dia a dia as gerações se sucedem desde que o mundo é mundo. Um belo espetáculo não isento de poesia e dor. Que nos venha o fim.
Depois dele, seja lá como for, sono perpétuo ou gozosa imortalidade na mente de Deus, nada temos a temer perante a sua grandeza. Deus não tem psicologia humana, não odeia, não julga, não pune, acolhe! Os temores estão nesse vale de lágrimas em que se desenrolam as nossas vicissitudes. Cada um sabe dos seus prazeres fugazes e de suas dores, ilusões e desilusões.
É aqui que devemos seguir as lições de Jesus ou de Maomé, de nos amarmos uns aos outros. Este ano – de Copa do Mundo no Brasil – deveríamos considerar que a paixão esportiva é coisa boa e lúdica, como a arte, o cinema, o teatro, os modos de bem viver e conviver, nunca o sucedâneo da guerra com sua carga de ódio e sectarismo. Em 2013 a violência em nossos estádios mostrou um povo bárbaro, sem rumo nem sabedoria, apenas com ódio no coração a se matarem e mutilarem em batalhas inglórias.
Inspirou a crônica o depoimento dos brasileiros que foram ao Marrocos esperando encontrar um povo belicoso e uma sociedade semibárbara. Mas os berberes – durante 780 anos – dominaram e criaram parte significativa da cultura ibérica, à qual, em parte, pertencemos e de modo superior aos dominantes visigodos, após a queda de Roma e, portanto, não poderiam ser o que deles se imaginava. Além disso, ganharam a partida de futebol dos brasileiros, com civilidade e até mesmo compaixão pela nossa tristeza.
Em sua coluna no Estado de Minas, Helvécio Carlos dá-nos depoimentos edificantes de torcedores que foram de um jeito e voltaram melhor. Escolhi um: Eduardo Coelho, que viajou para o Marrocos, revelou que os africanos, além da garra no futebol, têm muito a nos ensinar. “Nunca, em qualquer lugar ou situação da minha vida, encontrei pessoas tão gentis, educadas e cheias de verdadeiro espírito esportivo – o que deveria fazer parte de cada um de nós. Em todos esses dias em Marrakesh, cruzando com centenas de torcedores do Raja Casablanca, passando por eles nas ruas, nas praças e no estádio, não vi um único sinal de hostilidade, uma única demonstração de raiva ou violência nem mesmo depois da vitória deles. Não vi nenhuma criança ou adulto mandando dedão como quem xinga, ou tapinha na mão fechada como quem diz “f…”. Nada. Pelo contrário. O que vi por aqui foi alegria, foi celebração, foi preocupação com o próprio time e tratar com respeito e gigantesca educação e alegria todos os outros adversários. Pedidos de fotos, cumprimentos, abraços. Algo inimaginável por aí.”
Fã dos marroquinos, Eduardo conclui: “Disputar um mundial é para quem já fez algo grande no ano, e perder não é vergonha. Vergonha é lembrar a violência absurda das torcidas no Brasil, o ódio gratuito que as pessoas sentem por outras apenas por usar uma camisa de outra cor, a covardia de quem chuta um cara caído no chão, a total falta de lei e respeito que contamina tudo em nosso país. Estamos tristes, claro! Mas futebol nada mais é que diversão. Valeu demais pela viagem e pela oportunidade de conhecer essa gente que nos deu uma verdadeira lição de comportamento”.Tirem suas conclusões sobre educação, esporte, política e a difícil arte de viver e conviver respeitando o outro. Em tempo: os marroquinos são muçulmanos!