Opinião

Lula e Motta, cada vez mais afinados, cozinham anistia em banho-Maria - Por Nonato Guedes

Lula e Motta, cada vez mais afinados, cozinham anistia em banho-Maria - Por Nonato Guedes

Para desespero dos bolsonaristas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado paraibano Hugo Motta (Republicanos), presidente da Câmara Federal, estão cada vez mais afinados na discussão sobre prioridades da pauta legislativa, o que ficou claro ainda ontem, durante jantar em Brasília que reuniu líderes da Casa, na residência oficial da Câmara dos Deputados. Hugo Motta havia dito, horas antes, que o projeto de isenção do Imposto de Renda a quem recebe arte R$ 5.000 tem prioridade em relação à votação da proposta que anistia os condenados do 8 de janeiro. Isto foi reafirmado no jantar. “Não vamos permitir que outras pautas, não só a anistia, mas qualquer outro projeto, prejudique o andamento de um projeto tão importante como este que é a matéria do Imposto de Renda”, dissera Hugo Motta em evento promovido pela CNN na Capital Federal.
O gesto de aproximação de Lula, ontem, repetiu o mesmo afago do chefe do Executivo aos senadores, pois no começo do mês ele jantou com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e os líderes dessa Casa. Lideranças políticas relataram ao UOL que Lula afirmou estar bem de saúde e que, se permanecer dessa forma, será candidato à reeleição. Já outros interlocutores avaliam que Lula está fazendo a lição de casa para aprovar os projetos que o governo precisa e conseguir apoios na eleição do próximo ano. Conforme os líderes, o encontro de ontem foi agradável e todos estavam desarmados, ouvindo e fazendo ponderações sem enfrentamento. O movimento pode ter iniciado um relacionamento de aproximação que era cobrado há dois anos pelos parlamentares. A anistia não foi o assunto principal do jantar, e Lula classificou o momento como impróprio, preferindo defender pautas do governo, como a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil reais.
Na prática, está em marcha uma articulação cada vez mais intensa para cozinhar em banho-Maria a proposta de anistia, que é reivindicada, principalmente, pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, autor do requerimento de urgência para acelerar a tramitação da proposta. O pedido recebeu 262 assinaturas individuais de deputados, mas Hugo Motta vem protelando a discussão e, sobretudo, a votação em plenário, enquanto alega estar costurando acordos e soluções em outras frentes, como, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal. O que ficou reafirmado é que a anistia não terá preferência, por se tratar de um tema polêmico e diante da suspeita de que a mobilização feita visa, exclusivamente, beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível para concorrer à Presidência da República em 2026. A ampliação da faixa do IR, enquanto isso, é a principal aposta do governo Lula para melhorar a popularidade, que sofre oscilações e até picos de declínio avaliados como preocupantes pelo Planalto.
O deputado Sóstenes Cavalcante, autor do projeto de anistia aos condenados do 8 de janeiro, reclamou que o presidente da Câmara não “fala nada” sobre a proposta e igualmente não estabelece um prazo para analisar o projeto. O Congresso Nacional reivindicava um maior envolvimento do presidente Lula na articulação política. Aliados do ex-presidente da Câmara Arthur Lira, do PP-AL, afirmaram que o pragmatismo político é bom, “mas carinho, uma atenção, ajudam muito”. Parlamentares lembram os primeiros governos do petista e os “churrasquinhos” na Granja do Torto. No jantar de ontem, Lula dirigiu vários elogios ao deputado Hugo Motta e a alguns convidados, havendo promessas, inclusive, de mais encontros na Granja do Torto. Com as mudanças nos comandos do Senado e da Câmara, o petista passou a manter diálogo frequente com David Alcolumbre e Hugo Motta, o que inclui almoços e jantares. Em março, o chefe do Executivo convidou os dois presidentes e lideranças para integrar a comitiva que viajou para o Japão e Vietnã. Uma nova viagem está para acontecer; Lula convidou Motta, Alcolumbre e Luís Roberto Barroso, presidente do STF, para acompanhá-lo à cerimônia de despedida do papa Francisco no Vaticano, a ocorrer no sábado.
Na linha do entrosamento que demonstra com o Palácio do Planalto, o deputado Hugo Motta enfatiza: “Para a população brasileira, numa ordem de prioridades, a matéria do Imposto de Renda tem um apelo muito maior porque nós estamos tratando de possibilitar às pessoas que menos têm o acesso a uma renda a mais”. Acrescentou que o projeto deve tramitar sem oposição na Casa, “até porque procuraremos construir da melhor maneira possível”. Motta citou a criação de uma comissão especial para tratar do projeto como estratégia encontrada para que o debate fosse feito de maneira mais aprofundada. A previsão é de que a comissão comece a funcionar no começo de maio e o projeto será mudado no Congresso para que se encontre a compensação menos danosa. Ainda sobre a anistia, Motta disse que a Câmara não precisa “diante do cenário de crise na política internacional, criar mais crise institucional no Brasil”.