
Corria a tradicional procissão do Senhor Jesus dos Passos, anualmente ocorrida na terceira semana da Quaresma, em João Pessoa. Fiéis contritos cantavam e rezavam no caminho entre a Igreja da Misericórdia e a Praça João Pessoa, para o encontro de Jesus com Maria, sua mãe, representada pela imagem de Nossa Senhora das Dores, que havia partido da Igreja do Carmo.
Os passos lentos dos devotos acompanhavam o ritmo solene dos hinos religiosos. Como em toda procissão, o sentimento era de comunhão, onde vozes e preces formavam um clima de súplica coletiva. Muitos carregavam velas acesas, cuja chama tremulante iluminava rostos marcados pela introspecção e pelo fervor. Entre eles, João Ramalho, padeiro famoso em João Pessoa.
A identificação João Ramalho encontrei em uma das brilhantes crônicas de José Mário Espínola, médico, contista e cronista dos melhores na cidade. Na verdade, se tratava de Pão de Bico, como era conhecido em João Pessoa, por conta de sua pregação diária na venda dos famosos pães de bico, que têm exatamente bicos nas extremidades, como acontece com o pão chamado francês.
Mas se você queria ver um cidadão zangado, era só chamar João Ramalho pelo seu apelido. A reação era imediata, descontrolada, geralmente acompanhada de palavrões. Pois foi o que aconteceu em plena procissão quando garotos – geralmente, os que mais assediavam João Ramalho –, na calçada, sussurraram à sua passagem: “Pão de Bico!”. Xiii!
Nesse momento, a procissão entoava o hino “Meu Coração é Só de Jesus (Santa Cruz)”, assim: “Meu coração é só de Jesus, a minha alegria é a Santa Cruz, a minha alegria é a Santa Cruz”. O coro ia justamente no final da estrofe “a minha alegria…”. Então, Pão de Bico não pensou duas vezes, e olhando para os meninos completou o verso, “é o — da mãe”. Pegou pesadíssimo!
Pão de Bico faz parte do agrupamento de antigos pessoenses que ganharam as páginas da história da cidade na conta dos folclóricos — aqueles personagens que, mesmo à margem da norma social, acabaram inscritos na memória coletiva por seus modos peculiares, repetitivos ou extravagantes de existir.
Seu nome ressurge entre os tantos que, sem títulos ou cargos, foram, ainda assim, reconhecidos pela cidade como figuras indispensáveis ao cenário urbano, como quem completa o retrato de uma época com a graça espontânea do cotidiano.
Fonte: Sérgio Botelho
Créditos: Polêmica Paraíba

Sergio Mario Botelho de Araujo Paraibano, nascido em João Pessoa em 20 de fevereiro de 1950, residindo em Brasília. Já trabalhou nos jornais O Norte, A União e Correio da Paraíba, rádios CBN-João Pessoa, FM O Norte e Tabajara, e TV Correio da Paraíba. Foi assessor de Comunicação na Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Sergio Mario Botelho de Araujo Paraibano, nascido em João Pessoa em 20 de fevereiro de 1950, residindo em Brasília. Já trabalhou nos jornais O Norte, A União e Correio da Paraíba, rádios CBN-João Pessoa, FM O Norte e Tabajara, e TV Correio da Paraíba. Foi assessor de Comunicação na Câmara dos Deputados e Senado Federal.