Opinião

O julgamento histórico de Bolsonaro e as lições sobre teorias golpistas - Por Nonato Guedes

O julgamento histórico de Bolsonaro e as lições sobre teorias golpistas - Por Nonato Guedes

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, deflagrado ontem, é um acontecimento histórico pela gravidade da situação e do teor das acusações imputadas ao político do PL pela Procuradoria-Geral da República – ou seja, de tentativa de um golpe de Estado no país. Bolsonaro fez questão de comparecer, no primeiro dia, perante ministros do STF, como estratégia dirigida aos seus apoiadores para supostamente demonstrar coragem, em face de atos de covardia protagonizados por membros do “clã” como o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que fugiu para os Estados Unidos a pretexto de ser um “exilado político”, que não é. A presença de Bolsonaro na Corte objetivaria, também, intimidar ministros com direito a voto sobre seu destino, mas nos registros da mídia não consta que isso tenha acontecido. De resto, a maioria do STF indeferiu embargos protocolados pela defesa do ex-mandatário com nítida conotação protelatória, havendo a expectativa sobre declaração da sua condição de réu e possibilidade de decretação da prisão.
O desfecho desfavorável a Bolsonaro abrirá um precedente para a responsabilização de ex-presidentes da República pela prática de crimes contra o regime democrático. Está em jogo, portanto, de forma subliminar, a defesa da Constituição, contra cujo cumprimento mobilizaram-se o ex-presidente, ministros de Pastas importantes, membros do círculo militar e outras pessoas do entorno bolsonarista, atraídas por teorias golpistas que acabaram se revelando fracassadas. Desse conjunto de teorias restaram as lições de que a democracia é sagrada e deve ser preservada a todo custo num país que experimentou ciclos de autoritarismo, ora escondidos em acenos populistas, ora disfarçados de contragolpe que, na verdade, era a face da ditadura propriamente dita. É evidente que o julgamento se dá em plena fase de polarização política-ideológica, o que de algum modo contamina as decisões a serem tomadas e provoca o acirramento de ânimos, mas este cenário era inevitável – e a conjuntura nacional, em si, reclamava urgência, após a coleta de provas sobre a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito no Brasil.
Bolsonaro está sendo julgado num ambiente de enfraquecimento político pessoal, com a diminuição drástica dos seus espaços de liderança e dentro de uma conjuntura em que a própria direita, da qual ele se diz representante, começa a testar outros nomes para os embates futuros com a esquerda e a centro-esquerda nas disputas eleitorais. O ex-presidente, teoricamente, guarda a fidelidade de sua “bolha” , mas há indícios de defecções no agrupamento bolsonarista, em virtude da falsidade de narrativas que foram construídas para manter, a todo custo, a liderança do antecessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e da desarticulação do discurso e das propostas que até então vinham ganhando destaque num cenário carente de novos líderes e de novas ideias. O ex-presidente, como se previa, considerou-se vítima de uma suposta perseguição do Judiciário, mas até aqui, nas defesas que foram feitas, não conseguiu provar inocência ou conexão com atos que resvalaram para a depredação de sedes dos Poderes da República, sem falar no questionamento aberto sobre a segurança das urnas eletrônicas, dentro da tática de desmoralizar o Tribunal Superior Eleitoral.
O ex-presidente conta, sem dúvidas, com aliados dentro do Congresso Nacional, mas a deflagração do julgamento coincidiu com a ausência de chefes das Casas do Parlamento, como o deputado federal Hugo Motta (Republicanos) e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil), que estão acompanhando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa missão diplomática ao Japão. O Congresso, de resto, pouco poderia fazer por Bolsonaro, até pela condição constitucional de não ter competência para se imiscuir num julgamento que é da alçada do Supremo Tribunal Federal. A denúncia de “perseguição” tem sido sustentada por parlamentares alinhados com o ex-mandatário e, inclusive, partidários da tese de que não caberia ao Supremo Tribunal Federal debruçar-se sobre o caso e, sim, à Justiça de primeira instância. São filigranas que não resistem ao peso das evidências, como a de que o Supremo já vinha analisando denúncias de tentativa de golpe de Estado em flagrante desrespeito ou desarmonia com o Estado de Direito no país.
Se Bolsonaro for declarado réu, como observa o “Congresso em Foco”, esta será a segunda vez em que um ex-chefe de Estado terá de responder à Justiça brasileira por tentativa de golpe. A primeira ocorreu em 1922 e também envolveu um militar: o marechal Hermes da Fonseca, que presidiu a República entre 1910 e 1914. Fonseca foi o principal acusado de uma rebelião de jovens militares contra o então presidente Epitácio Pessoa e seu sucessor eleito, Arthur Bernardes. Hermes da Fonseca chegou a ser preso preventivamente, mas não viveu para ser condenado; sua saúde se deteriorou durante o processo e ele morreu pouco mais de um ano após a rebelião. Tal como em 2022, o ano de 1922 foi marcado por uma eleição polarizada e pelo forte envolvimento de militares em apoio ao candidato derrotado, Nilo Peçanha. O julgamento que se desenrola, em 2025, no Supremo Tribunal Federal, deverá ter influência decisiva na correlação de forças que participam do jogo político-institucional brasileiro na atualidade.