Perna curta
José Aníbal
O ministro José Eduardo Cardozo é um desses políticos que, ao recontar uma estória de trás para frente, vai incluindo detalhes inéditos na trama para tapar os buracos da versão original. Quanto mais curta vai ficando a perna da estória, mais informação nova ele vai acrescentando à narrativa.
O ministro Cardozo deixou que o CADE, órgão do Ministério da Justiça, fosse apontado e enxovalhado pela oposição por quase 48 horas como a fonte da mais nova alopragem petista: o documento falso que aponta líderes oposicionistas supostamente pegos no pulo.
Dois dias depois, Cardozo veio a público para dizer que foi ele, e não o CADE, o responsável por levar a coisa à Polícia Federal. Desmentido por documentos, que registravam na PF a chegada do material, via CADE, em 11 de junho, o ministro arranjou outro esclarecimento súbito: erro infeliz dos delegados.
Everton Rheinhemer, o delator que teria pedido uma diretoria executiva na Vale e proteção do PT em troca da denúncia, disse em nota que o documento a ele atribuído era, na verdade, anônimo, e que jamais o encaminhou ao CADE ou à PF.
Ora, se o documento não é dele, se não é originário da investigação em andamento, mas sim foi anexado pela PF ao inquérito em junho, a pedido do ministro Cardozo, de onde veio a alopragem? Do deputado petista Simão Pedro, que o teria entregado ao ministro em junho (na primeira versão de Cardozo) ou em maio (na segunda).
O deputado Simão Pedro, ex-chefe do presidente do CADE e colega de partido de Cardozo, é último elo conhecido do tal documento. Por que ele não vem a público esclarecer a origem da lista? Afinal, o material não estaria cheio de provas? Cada vez mais, a paternidade da coisa aponta para ele e o ministro Cardozo, um como autor, o outro como coautor. O crime é de ambos.
Se Cardozo encaminhou o documento à PF, por que não há um protocolo de registro? Outra vez, ele remenda a estória com informações a posteriori. Não houve protocolo pois o ministro o entregou em mãos a Leandro Daiello, diretor-geral da PF, que o incluiu na investigação também sem registra-lo. Formalmente, o documento não tem origem.
Outra farsa está nos autos. O documento da denúncia originária, de 2008, em inglês, recebeu tradução “padrão Simão Pedro”. Nela foi criminosamente acrescentado um parágrafo sórdido sobre o tal suborno a políticos da oposição. Aliás, o diretor da PF disse ao Jornal Nacional que não há nenhum indício de envolvimento de pessoas com foro privilegiado (parlamentares) no caso em investigação.
Além de ser um ministro fraco e de memória deficiente, Cardozo parece íntimo das operações do submundo. Não sei se ele é da mesma tendência partidária do deputado Simão Pedro e do presidente do CADE, Vinicius Carvalho, mas certamente compartilha com eles a orientação máxima e já “clássica” do petismo: fazer o diabo pelo poder.
Diante dos luminares que já ocuparam a pasta da Justiça, de Diogo Feijó a Nabuco de Araújo, de Afrânio de Melo Franco a Tancredo Neves, de Fernando Lyra a Paulo Brossard, Cardozo fica miudinho na cadeira que ocupa. Receptor e divulgador de dossiês falsos. E aí, presidente Dilma?
José Aníbal é economista, deputado federal licenciado e ex-presidente do PSDB.