Por Gonzaga Rodrigues
As árvores nos acompanham… Será que não? Notadamente os oitis.
Estava sentado ao lado do presidente da Câmara Municipal de João Pessoa (na ocasião o vereador Bosquinho), o vereador Bruno Farias dedicando as melhores palavras para explicar a medalha com que a casa me premiava, as luzes do plenário iluminando os rostos que acompanho e me acompanham por quase toda a vida, e eu só me via, ali – naquele instante destacado de minha passagem pela terra – à sombra ou sob o amparo dos oitis da Aristides Lobo.
Que leseira!
Estavam à minha frente e na mesa ao meu lado seletas personalidades das minhas reverências sociais e políticas, das minhas afinidades intelectuais, da camaradagem de grêmio e de rua, dos meus afetos, mas a nitidez de todos esses rostos, alguns gravados no rutilante sol da juventude, ficou ensombrada, quase encoberta pela interferência erma dos velhos oitizeiros.
Que diacho esses oitizeiros vêm fazer aqui? – ali impertinente, a pergunta não me largava.
Bruno, moderno tribuno, começara recorrendo ao poema casimiriano da gramatiquinha FTD (“ Eu me lembro, eu me lembro…”) que, como ele bem viu, me desviara da agricultura e de outros ramos práticos para a “lágrima das coisas” ou a tonteira poética. Não sei se as palavras, se o ritmo, se as imagens de céu e mar ou a mistura de tudo isso com o tom, a voz, a unção como a minha mãe tirava as novenas na nossa capelinha… não sei. Só sei que depois do poeminha de três estrofes, sublinhando um exemplo gramatical dos primeiros anos do primário, o menino que vivia sozinho já não era mais o mesmo. Arranjara misteriosa companhia.
Agora me davam um título da melhor cidadania, mais a medalha do mérito, e eu sem sair da sombra como se uma nuvem de mofadas folhas secas, adensadas sobre as cabeças do plenário, retivesse-me da alegria. Ou como se uma voz interior, de origem distante e profunda, praguejasse para sempre: – sua alegria é esta.
No internato, doido por uma folga, uma saída que só era dada aos domingos para almoçar com o tutor, que era um padre velho, abria-se o portão e, assim que se abria, eu saía triste, olhando para o ladrilho da calçada, o dorso da mão alisando as paredes. Há três semanas tomei o ônibus e fui cobrir meus passos naquela mesma rua, o colégio fechado, todas as placas sumidas, nada de Rached, de Nouri, de Wilson Sons ou de Habib , e só faltei chorar ao encontrar o mesmo ladrilho. O mesminho dos meus pés de menino que os pés do velho, agora cidadão pessoense, conseguem cobrir.
A sombra dos oitis talvez explique: enquanto não abria vaga nos jornais, eu vinha da Casa do Estudante para vender revista numa banca da Aristides Lobo. Éramos eu e Inácio, contador vitorioso, também ainda vivo. Toda vez que me vem um amparo, uma coisa boa, lá aparece essa sombra. O livro das árvores não diz para que servem os oitizeiros; a fruta, uma drupa de polpa amarela, perfumada, até saborosa, deixou de ser fruta, cai e ninguém apanha. Deve ser para nos fazer companhia.