Um passo importante foi dado nessa semana com a aprovação do fim do voto obrigatório pelo grupo da Câmara de Deputados criado exclusivamente para discutir as propostas de reforma política. Essa ação representa apenas alguns metros do quilométrico caminho que a proposta, tão reivindicada nas ruas durante as manifestações de junho, deve percorrer para se tornar realidade.
Em um país democrático é no mínimo antagônico que o voto seja obrigatório. Após haver consenso nesse pequeno grupo que analisa a reforma eleitoral, o fim da obrigatoriedade segue agora para as comissões e, depois, para a apreciação nos plenários da Câmara e do Senado. A princípio, não há motivos para encontrar resistências nas duas Casas, porém, há quem possa se sentir incomodado com a novidade.
Isso porque o fim da obrigatoriedade pode tornar o voto mais qualificado. Pelo menos em tese, dar-se-á ao trabalho de ir a uma seção eleitoral apenas aquele eleitor que realmente pretende ver sua manifestação levada em conta na hora de um pleito eleitoral ou aquele que, de certa forma, estará envolvido com o processo de escolha dos candidatos, informado sobre as propostas e mais consciente do plano de governo de cada postulante ao cargo público que está em disputa.
RISCO MAIOR
Porém, como estamos no Brasil, ao tornar o voto voluntário, a captação ilícita do sufrágio também significa risco maior. Aquele cidadão que pouco ou nada se interessa por política e que não entende os efeitos de longo prazo de uma eleição continuará sendo facilmente seduzido pelo benefício direto. Receberá alguns trocados para se dar o trabalho de ir à cabine de votação e deixar lá suas digitais. Nada diferente do que já ocorre. O que pode acontecer é que os corruptores terão um controle maior de suas torpes estratégias, pois saberão quantos de seus aliciados sairão de casa no dia da eleição.
O voto voluntário tornará o assistencialismo e as políticas eleitoreiras menos influentes, mas exigirá também mais campanhas educativas por parte dos tribunais eleitorais e uma vigilância maior por parte das autoridades, o que, ciclicamente, aumentará os custos com as eleições. Assim, o projeto acaba por impactar, mais uma vez, o bolso do contribuinte.
Nessa toada o país ensaia alguns passos rumo à modernização, mas, ao mesmo tempo, recua em aspectos elementares, diminuindo os estímulos dos mais afoitos por uma reforma política realmente transformadora, sinais evidenciados com o engavetamento da proposta do fim da reeleição e com a falta de clareza sobre o financiamento de campanha, além da aprovação da doação exclusiva a partidos em vez de carimbar os repasses em nome dos candidatos, o que, obviamente, favorece a obscuridade na hora da prestação de contas.
Com essas primeiras manifestações do grupo da Câmara, a conclusão que se chega é que uma vela foi acesa para Deus e outras tantas para o diabo. (transcrito de O Tempo)