Por Gonzaga Rodrigues
Ensinavam na escola primária que o homem é um animal racional. O resto era irracional, desde o burro ao pássaro.
Clodomiro Leal, que foi também professor de Pedro Gondim e de Zé Camelo, trazia seu acréscimo: “Nesse meio eu já não incluiria o macaco, que não pega em fogo”. Zé Camelo – o da velha Bonfim – levantou a mão lá atrás para lembrar que o cachorro também não pegava em fogo. Irritado, o professor rebateu: “Cachorro não pega em nada, seu José, não está entre os animais de mãos preênseis – palavra que arrepiou toda a classe.
Nas leituras mais adiantadas, procedessem da religião ou da ciência, chegava-se a exaltar o homem não só como o último termo da criação, mas, também, como o que atingira o mais alto grau de evolução na escala da inteligência. Adulto de 80 anos ainda teimo em fazer a pergunta do moleque: por que não os pássaros? Sempre livres nos céus, baixando certo e direto onde pressentem o alimento da vida ou o da procriação! Por que não a abelha, imutável e precisa em sua operosidade! Por que não a formiga, preparada instintivamente para o inverno na mesma contingência do nordestino, que jamais se prepara para a seca?
São divagações da insônia olhando da minha janela os carros que ainda restam chegar pela estrada do contorno naquela hora da madrugada; mirante que me deixa acompanhar a faina ou o gozo do homem através dos faróis miudinhos, distantes em alguns quilômetros, que descem pela via do Contorno. Reputa-se um golpe de vivacidade ou inteligência de Agripino, em favor do nosso progresso, quando conseguiu incluir no plano federal essa via-expressa que desatou a cidade. O tráfego de passageiros e de cargas já não cabia mais por Cruz das Armas, mesmo com a opção melhorada da Vasco da Gama do tempo de Pedro. Hoje, com a evolução geral, o tráfego de passageiros e cargas já não cabe mais no Contorno duplicado. A inteligência do homem foi capaz de não deixar uma única rua das cidades que ele tornou atrativas em condições de abrigá-lo humanamente. Quanto maior a cidade – quanto mais São Paulo, Rio ou Recife – mais os passarinhos riem aereamente das vantagens da nossa inteligência. Ele, o homem, atingiu um nível de evolução que o tornou prisioneiro de seus mecanismos. De si mesmo. Quanto mais cresce, mais sucumbe no lugar.. Em São Paulo, indo a pé de um extremo a outro do rio, chegaria antes do automóvel. Mas, com a inteligência de andar sentado, respirando o que ele mesmo polui, exercitando cada vez mais a própria tolerância, entra na pressão.
Nessa matéria, não há mais cidades grandes nem pequenas. Demorei, tive de pensar duas vezes, antes de atravessar a rua Yayá Tavares de Alagoa Nova. Em Campina, nem se fala.
Aponta o sol, bato a janela, o bem-te-vi se cala assustado e sai livre para ares e luzes que dispensam os favores da inteligência. Bem-te-vi! Bem-te-vi!