Petistas históricos da Paraíba se recusam a seguir a posição oficial do partido e se negam a apoiar ao prefeito Cícero Lucena (PP) no segundo turno em João Pessoa. O adversário é o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga (PL), ligado ao bolsonarismo. No primeiro turno, Cícero teve 49% dos votos. Queiroga, 22%.
O diretório do PT de João Pessoa anunciou que apoiaria Cícero no segundo turno por “rechaçar” Queiroga, classificado como um político de “ultradireita, de teor autoritário, negacionista e ultraliberal”.
Mas o candidato do PT a prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, disse que vai se manter neutro no segundo turno. No primeiro turno, Cartaxo atacou duramente Cícero, em especial pela suspeita de relação entre uma facção criminosa da Paraíba com familiares do prefeito e funcionários municipais.
Áudios obtidos pela Polícia Federal mostram que a mulher e a filha de Cícero teriam negociado cargos na prefeitura com membros da Nova Okaida, diretamente ou por meio de intermediários.
Cartaxo, que é deputado estadual e ex-prefeito de João Pessoa, disse que não apoiaria Cícero “em respeito” aos 50 mil votos que teve no primeiro turno — menos de 12% dos votos válidos, que o deixaram em quarto lugar.
Ricardo Coutinho (PT), governador da Paraíba de 2011 a 2019, também se negou a apoiar Cícero, citando “uma relação perigosa e nefasta com as facções criminosas”.
Não posso rebaixar meus sonhos, que são possíveis, trocando-os pela inutilidade de um voto em alguém [Cícero Lucena] que é um bolsonarista convicto e que adicionou a essa condição uma relação perigosa e nefasta com as facções criminosas que controlam as periferias da nossa capital sob o olhar complacente e conivente do aliado de Cícero, [governador] João Azevedo, que também se serviu dessa estrutura criminosa em 2022.
O presidente do PT de João Pessoa, Marcos Túlio, criticou a postura de Cartaxo e Coutinho. Ele e parte da militância do partido entendem que o PT deve lutar contra a eleição de um nome bolsonarista. E acreditam que Cícero, se reeleito, pode ser aliado de Lula em 2026.
Jair Bolsonaro está fazendo campanha para Queiroga. Na quinta-feira (17), o ex-presidente esteve em João Pessoa para participar de carreata e comício do seu ex-ministro. No primeiro turno, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foi à capital paraibana para pregar a favor de Queiroga.
Já Cícero anunciou que vai votar Lula em 2026. Tentou conseguir o apoio do PT para sua candidatura já no primeiro turno. Mas o diretório nacional do partido decidiu lançar Cartaxo — os diretórios locais discordaram.
Briga vem desde 2019
A falta de apoio de Cartaxo e Coutinho a Cícero está atrelada a outro nome: o do governador João Azevedo (PSB), que apoia o prefeito.
João Azevedo foi eleito em 2018 pelo PSB. No ano seguinte, Azevedo e o PSB romperam. O governador chegou a deixar o partido, que divulgou um comunicado pedindo “desculpas pela eleição” de Azevedo, acusando-o de “traidor” por se alinhar com Bolsonaro.
Coutinho, que era do PSB à época, também rompeu com Azevedo. Em 2021, também deixou o partido e se filiou ao PT.
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário. Já Azevedo voltou ao PSB em 2022.
A disputa entre Coutinho, agora no PT, e o governador Azevedo, de volta ao PSB, se espalhou para a disputa municipal.
Para José Artigas, professor de Ciência Política da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), o PT de João Pessoa está em pé-de-guerra.
Ele lembra que por duas eleições sucessivas houve intervenção da direção nacional para impor candidaturas que não foram escolhidas pelos diretórios locais (João Pessoa e Paraíba).
Em 2020, o PT tirou a candidatura de Anísia Maia para apoiar a de Ricardo Coutinho (que estava no PSB) contra o mesmo Cícero Lucena. Coutinho, porém, teve menos de 11% dos votos válidos.
Este ano, Cartaxo foi o nome “imposto” pelo diretório nacional do PT em João Pessoa, tendo Amanda Rodrigues, esposa de Coutinho, como candidata a vice-prefeita.
“Lula tem uma relação de proximidade e gratidão com Ricardo [Coutinho] e levou o diretório a impor a chapa contra a vontade da militância, que queria prévias internas para o lançamento da deputada Cida Ramos. Com a intervenção, o partido rachou”, diz.
Por conta disso, Artigas cita que nomes históricos do PT chegaram a fazer campanha para Cícero já no primeiro turno, na contramão da escolha partidária.
Além disso, ele diz que a militância “se voltou contra o partido” e “rejeitou o apoio não só a Cartaxo no primeiro turno, mas a Cícero no segundo.”
A militância do PT local nutre um intenso ressentimento contra Cartaxo, visto como um traidor, por ter saído do partido no momento mais difícil [em 2015, durante a Lava-Jato], em meio ao processo contra Lula e Dilma. Depois voltou ao partido [em 2021] para conseguir se eleger deputado, mas a pecha de traidor seguiu.
José Artigas
No caso de Cícero, as rusgas da militância, diz, vêm porque Cícero é candidato apoiado pelo governador, que tem histórica rixa com Ricardo Coutinho. “A militância rejeitou o apoio a Cícero por conta da oposição a João Azevedo”, completa o cientista político.
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Para Artigas, a falta de apoio vem também pelo fato da militância entender que Cícero Lucena deve ser eleito sem maiores dificuldades, visto a expressiva vitória no primeiro turno (49,1% dos votos válidos).
“A avaliação é de que Queiroga não será, de fato, competitivo frente a Cícero, de forma que o apoio da militância petista não seria decisivo para a vitória do prefeito. Nesta conjuntura, preferiram a isenção. Assim, o PT nacional e estadual estão com Cícero, que já anunciou apoio a Lula em 2026”, finaliza.
Reportagem
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis. – Materia do UOL – https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2024/10/20/por-que-petistas-negam-apoiar-prefeito-contra-bolsonarista-em-joao-pessoa.htm