Como a aliança entre Campos e Marina embaralha o jogo eleitoral

Por Rodolfo Torres

Na tarde do primeiro sábado deste mês, no exato dia em que a Constituição da República completava 25 anos de vida, dois políticos adentraram o auditório do Hotel Nacional, em Brasília, para anunciar a mais espetacular e improvável aliança eleitoral desde a redemocratização do Brasil. Marina Silva, exibindo ao país toda a força política de sua frágil figura num tailleur preto, entrava no auditório com 20 milhões de votos, 500 mil assinaturas para o partido que tentava criar e um carisma ainda impossível de medir em números. Eduardo Campos, vestindo camisa social branca e calça jeans, não entrava apenas com o frescor de sua juventude e a simpatia de seus olhos verdes. Levava também um partido, tempo de TV, dinheiro, marqueteiros, palanques regionais e, sobretudo, uma candidatura presidencial ambiciosa, ainda que neste momento empacada nas pesquisas, construída minuciosamente para derrotar o PT de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff nas eleições que se aproximam. Separados, os dois pareciam não ter chances reais de chegar ao Planalto. Juntos, podiam sonhar.

Marina se sentia claramente vítima do partido que a acolhera por quase três décadas. Atribuía ao governo do PT o fato de, dois dias antes, não ter conseguido o registro eleitoral para o partido Rede Sustentabilidade. Isso a obrigava a se filiar a outro partido, caso quisesse disputar as eleições de 2014. “Não estamos pensando o processo político se resumindo a eleições, ainda que elas sejam muito importantes. Estamos iniciando um processo de governabilidade programática, em vez de uma governabilidade pragmática, que privatiza pedaços do Estado para partidos. Estamos iniciando um processo para fazer um realinhamento histórico e sepultar a Velha República!” A claque que lotava o auditório irrompeu em aplausos e assovios. Algo mudara em Marina. Ela falava com a indignação que só a raiva dá. Nas palavras e no semblante, havia uma determinação que não se vira nas eleições de 2010. Campos podia ser o candidato, mas era ela a estrela.

Em seguida, falou Campos, anunciado como “futuro presidente da República”. “Nossa inquietação com tudo isso que está aí nos moveu. Aqui estamos porque o Brasil espera de nós uma atitude que vá além do olhar eleitoral”, disse ele sobre uma aliança que nasceu, bem, por causa das eleições de 2014. O Brasil assistia ao vivo. O auditório do Hotel Nacional transformara-se no palanque que dava início à imprevisível campanha presidencial de 2014, precipitada pela pragmática união de dois políticos que sonham em derrotar o governo.

Eduardo Campos: “O povo dirá se o ciclo do PT acabou”

Eduardo Campos será pai. O nascimento de seu quinto filho está previsto para fevereiro do ano que vem. Ele deverá se chamar Miguel – mesmo nome do bisavô, Miguel Arraes, que iniciou Eduardo na política. Além de Miguel, 2014 promete trazer outras emoções para o governador de Pernambuco. O mesmo Campos que declarara apoio à presidente Dilma Rousseff nas eleições de 2014 entrou com tudo na corrida pelo Planalto, desde que Marina Silva resolveu apoiá-lo com sua Rede. Em entrevista a ÉPOCA para a série Líderes Brasileiros, ele discorre sobre suas ideias para o país e sobre política. “Quem apostar em algum problema entre mim e Marina vai perder. É melhor não apostar caro, para não perder muito.”

ÉPOCA – O senhor é ou será candidato à Presidência?
Eduardo Campos – O PSB e a Rede apresentarão uma proposta ao Brasil de um caminho alternativo, que possa garantir as conquistas que tivemos nas últimas décadas, mas que possa remeter o Brasil a um longo ciclo econômico, com visão social, um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, com inclusão, que possa garantir melhoria na qualidade vida do povo brasileiro, com serviços públicos mais eficientes e que possam contemplar a demanda que está posta na vida pública brasileira por essa melhoria.

ÉPOCA – O senhor será o candidato do PSB ou existe a possibilidade de haver outro candidato?
Campos – Tomamos uma decisão. Vamos trabalhar o conteúdo dessa aliança, envolvendo a sociedade civil, o movimento social, a academia – e manter exatamente aquilo que a Marina eu colocávamos sempre: a decisão sobre a candidatura virá em 2014. Marina e eu estaremos juntos, levando esse conteúdo para todo o Brasil e à sociedade brasileira. Quem apostar que haverá algum problema entre mim e Marina vai perder. É melhor não apostar caro, para não perder muito.

ÉPOCA – O senhor apoiou o PT e disse que estaria com Dilma em 2014. O que o levou a mudar e a tentar criar uma alternativa?
Campos – Essa reflexão já vínhamos fazendo desde 2010, quando nós e o PSB discutíamos uma candidatura alternativa para um encontro no segundo turno com outra hegemonia, outra pactuação. No ano da eleição, vimos que havia a possibilidade de vencermos no primeiro turno. Sacrificamos uma candidatura própria do PSB e fomos para uma aliança com PT e PMDB, sob a coordenação do presidente Lula. E a eleição não foi resolvida no primeiro turno. Tivemos um debate superpobre do ponto de vista de conteúdo, que descambou mais para o eleitoral que o político, mais para o marketing que para a discussão da essência. Nosso partido tem 60 anos e ele já surgiu exatamente pela inquietação de intelectuais que se colocavam contra a posição gerada pela Guerra Fria: a esquerda liderada pelos comunistas, de outro lado os liberais, como se não houvesse nenhum outro caminho alternativo. Esse ato que consolidamos no sábado, uma aliança programática do PSB com a Rede, é um fato que ajuda a oxigenar a política, a fazer o debate de conteúdo. Não é contra quem quer que seja. É a favor da boa política, do Brasil e, sobretudo, da cidadania, para que ela tenha alternativas.

Marina Silva: “Os partidos detêm nacos do governo”

Marina Silva não gosta do termo “capital”, mas ele é inevitável aqui: dona de um capital de 20 milhões de votos em 2010, ela é candidata quase certa às eleições presidenciais do ano que vem. Nas primeiras pesquisas de intenção de voto incluindo os quatro presidenciáveis mais prováveis, ela aparece à frente de Aécio Neves e Eduardo Campos. Para ser uma alternativa em 2014, Marina precisa primeiro superar um desafio: coletar 500 mil assinaturas para que o partido que criou, a “Rede”, consiga existir. Ela recebeu a reportagem de ÉPOCA num restaurante vegetariano em Brasília. Na conversa, falou menos do novo partido e mais de suas ideias sobre o país.

ÉPOCA – O Estado brasileiro é um dos que mais cobram impostos no mundo. Só que grande parte do dinheiro vai para a máquina do Estado. A senhora não acha que o Brasil poderia ter menos ministérios e mais dinheiro para a área social, como a Constituição de 1988 prevê?
Marina Silva – Na campanha, a gente discutia muito, e não vi nenhum candidato que não estivesse defendendo reforma tributária, todas as reformas. Depois da campanha, a única reforma que acontece é a reforma do compromisso que foi feito durante a campanha. Em relação a nossos tributos, se a máquina pública aumenta para atender ao provimento de bens e serviços de que a sociedade precisa, tem uma lógica. Se a máquina pública aumenta apenas para atender à distribuição de cargos dentro do governo para contemplar bases políticas, isso acaba se constituindo num imenso prejuízo para aquilo que deveriam ser os investimentos públicos estratégicos. O que observo é a privatização de nacos do Estado pelos partidos.

ÉPOCA – O que a senhora chama de privatização do Estado?
Marina – Os partidos viraram donos de nacos do Estado. Cada partido é dono de um setor – energia, educação… Não importa o que acontecer, você sabe que pode até mudar aquela pessoa, mas o dono daquela cadeira é aquele partido. Um dia desses, vi uma notícia que não sei nem se é verdade. Dizia que o Ministério da Microempresa ninguém quer. Porque as pessoas querem ministérios mais avantajados.

ÉPOCA – Por falar em privatizações, qual sua opinião sobre as privatizações do governo FHC e do governo Dilma?
Marina – Algumas privatizações feitas no governo anterior tiveram o problema da visibilidade e da transparência, mas tiveram resultados. Hoje, ninguém advoga que o sistema de telefonia brasileira continuasse como era antes. O Brasil, nos últimos anos, conseguiu privatizar alguns setores importantes da economia e preservar alguns que deviam ser preservados. Isso não significa que as coisas devam ser feitas sempre de cima para baixo, sem transparência, sem um envolvimento maior da sociedade brasileira.

Istoé

A alternativa Campos

“Bota uma camisa, Zé, para tirar um retrato.” Curiosíssimo e tímido, o pequeno José Henrique, usando camiseta vermelha e bermuda estampada xadrez, não desgruda do pai, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, nem um minuto sequer. Levanta do sofá da sala, corre até o quarto e retorna esbaforido. O pai lhe entrega um DVD, que o garoto coloca para rodar no home teather. “Vou antecipar para vocês como vai ser o novo programa do PSB”, diz Campos com o filho no colo. Um sol forte despontava no horizonte da capital pernambucana, quando na quarta-feira 9 o mais badalado candidato à Presidência do momento – desde que sacramentou há duas semanas a aliança com Marina Silva – abriu sua residência para a reportagem de ISTOÉ. Despojado, vestindo calça jeans e camisa social branca, Campos abandonou as gravatas Hermès que costumava usar. Já o relógio Cartier ele diz que foi presente dos funcionários do gabinete. A nova imagem é fruto do novo momento político, e de quem olha para as eleições de 2014. Em quase quatro horas de conversa, o governador de Pernambuco falou abertamente sobre seu projeto político, detalhou parte da estratégia de campanha ao Planalto e contou os bastidores da articulação que levou a ex-senadora Marina Silva para o PSB, num surpreendente movimento que pegou o mundo político no contrapé, a começar por seus aliados e, principalmente, adversários.

Enquanto exibia o programa político do PSB, que só foi ao ar no dia seguinte, Campos contou que a nova peça publicitária do partido precisou ser refeita e reeditada. “Cortamos o final para incluir o ato da aliança com a Marina em Brasília”, justificou o candidato, antes de conferir a inserção pela última vez, na presença de ISTOÉ.

As alterações de última hora demonstram que a aliança entre os dois foi uma operação espontânea e mesmo improvisada, ao contrário do que se costuma acreditar num país onde a crônica política dedica um culto anormal às teorias conspiratórias. A intenção de Marina foi comunicada a Eduardo Campos na sexta-feira 4, através de vários amigos comuns. Eles relatam que, ao menos inicialmente, o anfitrião não deixou de manifestar uma imensa surpresa diante da possibilidade de hospedar uma aliada tão vigorosa – com 28% de intenções de voto no último DataFolha, contra 8% para ele próprio. Para Marina, interessada em desempenhar um papel ativo em 2014, o PSB surgiu como opção natural, pois sendo um partido com 60 anos de existência não seria encarado como uma legenda de aluguel, a exemplo do PROS e do Solidariedade, criados às vésperas.

Agora, porém, Eduardo Campos tem consciência de que a improvisação e a espontaneidade que marcaram a negociação para a aliança com Marina precisam ser deixadas para trás se quiserem obter êxito eleitoral em 2014. Por isso, PSB e Rede criaram, na semana passada, um grupo de trabalho que já começou a discutir estratégias de campanha. O primeiro desafio envolve uma situação eleitoral exótica. Consiste em manter, como cabeça de chapa, um candidato a presidente que exibe, na melhor das hipóteses, um terço das intenções de voto da possível candidata a vice. A situação é delicada para as duas partes. Mesmo pressionada por seus militantes, que sonham com uma mudança de posição entre os dois, Marina sabe que não pode fazer nenhum gesto que possa ser interpretado como uma traição a Eduardo Campos. Ela não está em sua casa política.

“PSDB e PT já tiveram sua chance”

Às 10h14, da quarta-feira 9, a reportagem de ISTOÉ chegou à residência do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para uma entrevista exclusiva. Desde que decidiu reformar o Palácio das Princesas, sede do governo, Campos se divide entre o gabinete provisório, instalado num centro de convenções, e sua casa – que, na verdade, pertence à família de sua mulher, Renata, há 40 anos. É lá que ele vive com os quatro filhos e os sogros. Localizada num bairro da zona rural de Recife, a residência é decorada por uma grande variedade de obras de artesanato regional. A preferida de Campos é uma imagem de São Francisco em tamanho natural. “A política brasileira tem que entrar na era do Papa Francisco”, diz o candidato do PSB à Presidência da República. “E não adianta quererem me colocar contra a Marina”, brinca, referindo-se à nova aliada, que é evangélica fervorosa. A primeira-dama dá boas-vindas da varanda, em companhia da filha Maria Eduarda, de 21 anos. Ela exibe a gravidez de Miguel, o quinto filho do casal, que chegará ao mundo em fevereiro. Eduardo Campos despacha com um de seus secretários na mesa da sala, e o pequeno José Henrique, de 8 anos, corre de um lado a outro com o smartphone do pai. Os outros dois filhos, João (19) e Pedro (17), estavam fora, estudando. “Tem político que gosta de criar bois. Outros preferem cavalos. Eu gosto de criar gente.”

ISTOÉ – Por que o sr. acredita que pode ser um bom presidente?
Eduardo Campos – Porque somos capazes de mudar a qualidade da política no País. A política se degradou. Vivemos uma encruzilhada. Não podemos colocar em risco o que acumulamos nas últimas três décadas, especialmente em termos de democracia, estabilidade econômica e inclusão social. Quero resgatar o bom debate, a utopia, a leveza e o respeito da sociedade. Representamos milhões de brasileiros que acreditam em democracia, que é possível um padrão sustentável de desenvolvimento econômico, que é preciso aumentar a participação da sociedade na governança pública. Minha aliança com Marina é a primeira resposta à crise de representatividade que o País está vivendo. O PSDB e o PT já tiveram sua chance de liderar o processo político. Agora é a nossa vez.

ISTOÉ – O sr. acredita mesmo em possibilidade de retrocesso nas conquistas sociais?
Campos – Enquanto a nova agenda for negligenciada, sim. As pessoas não têm acesso a serviços públicos de qualidade. Quem passa quatro horas num ônibus, quem espera oito meses para fazer um exame, com risco até de perder a vida pela demora no atendimento, quer mudança. As respostas para essas questões não serão dadas com velhas práticas políticas.

ISTOÉ – O que são as velhas práticas?
Campos – Achar que basta juntar uns partidos para ter tempo de TV, contratar um bom marqueteiro e depois contar os parlamentares, distribuir ministérios entre partidos, sem discutir conteúdo de nada. O que está posto na sociedade? Quer ter uma telefonia decente, transporte público de qualidade, energia sustentável para iniciarmos um novo ciclo de crescimento. Quem entendeu o que aconteceu nas ruas em junho entende a aliança que estamos fazendo agora e a pauta que estamos colocando.

ISTOÉ – Essas questões são antigas e ninguém mudou.
Campos – São questões que estão postas há duas décadas, ao menos. É o que ocorre, por exemplo, com as reformas política e tributária. O presidente Lula tentou fazer. Só que político pensa no imediato e, se aquilo vai prejudicá-lo, ele não apoia. A saída é propor reformas escalonadas, com previsão de entrar em vigor em oito, 12 ou 16 anos. Na reforma política, por exemplo, poderíamos terminar, de saída, com a coligação proporcional, com a cláusula de barreira e a coincidência de mandatos. Isso já dá uma primeira arrumada.

ISTOÉ – Se Lula não fez as reformas com a popularidade e a base de apoio que tinha, por que o sr. acha que conseguirá?
Campos – Porque o Brasil que sairá das urnas em 2014 será outro. Foi por isso que alguns setores tentaram reduzir as chances de debate, polarizando a disputa. Em 2014 teremos uma eleição de posturas. Precisamos usar mais mecanismos de democracia direta, usar o potencial de 108 milhões de brasileiros com smartphones ligados à internet. Os governos precisam ser digitais. Com isso, dá para governar com uma base menor, mas que tenha qualidade.

Carta Capital

“A candidatura do Eduardo está posta”

Depois dos ruídos provocados pelas suas primeiras declarações após a filiação ao PSB, quando deixou no ar a possibilidade de encabeçar a chapa presidencial do partido, e da reação imediata dos caciques da legenda, a ex-senadora Marina Silva fez questão de afirmar nesta entrevista a CartaCapital a prevalência do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Em todas as oportunidades possíveis, optou pela expressão “candidatura posta” ao se referir ao novo correligionário. Segundo Marina, a decisão de se aliar a Campos ocorreu no “calor da hora” e baseia-se em uma aliança programática disposta a superar o velho modo de fazer política. A seguir, os principais trechos da entrevista.

CartaCapital: A decisão de se filiar ao PSB foi exclusiva da senhora, como afirmou o deputado Alfredo Sirkis, seu aliado?
Marina Silva: Depois da negativa do Tribunal Superior Eleitoral, motivada pela inércia dos cartórios, nós da Rede Sustentabilidade tínhamos de buscar um novo caminho. Havia tanta convicção da obtenção do registro do partido que a gente não tinha um plano B. Coletamos 910 mil assinaturas. Fizemos um trabalho criterioso, descartamos por conta própria 220 mil assinaturas. Encaminhamos 668 mil para os cartórios. Mas em função de uma série de razões que eu espero, um dia, possam ser esclarecidas, foram anuladas 140 mil assinaturas. Destas, 95 mil foram invalidadas sem nenhuma justificação.

CC: E a conversa com o Eduardo Campos? Como se deu?
MS: Fomos para o apartamento da minha amiga Maria Estela Bernardes e discutimos até seis horas da manhã. A ideia de resignação, de não participar do processo político, até por sermos um partido de fato, ainda não registrado, mas com base e militância, era para mim impensável. Se você pode contribuir, por que se ausentar? A ideia de conversar com o governador Eduardo Campos surgiu, mais ou menos, por volta das quatro horas da madrugada. Estávamos no debate. Se a única alternativa está no universo das candidaturas postas, vamos procurar aquela mais coerente com o nosso discurso. E essa candidatura se dispõe a uma aliança programática, invertemos a lógica dos últimos anos. Os políticos primeiro fazem uma aliança eleitoral e depois vão se virar nos 30 para ver se implementam algum programa.

CC: Aliança feita no calor da hora não contraria essa tese?
MS: Não. Selamos um compromisso por meio de uma carta. Vamos aprofundar a aliança a partir de agora. O PSB veio da luta democrática da sociedade, em defesa das conquistas sociais. Tem suas contradições? Tem. Há diferenças com a Rede Sustentabilidade? Claro. Mas todos os partidos guardam diferenças com a Rede Sustentabilidade, pois ela é a primeira tentativa de atualização da política, da criação de uma estrutura para o que chamo de um novo sujeito político. Quando o PT foi fundado, os partidos marxistas-leninistas, como o PCdoB, diziam que éramos um partido pequeno burguês. Acusavam os petistas de ser inimigos da classe operária e dos trabalhadores, uma invenção da burguesia para atrapalhar os partidos verdadeiramente revolucionários e transformadores. Já as forças conservadoras diziam: “Vocês são comunistas, o Lula é um perigo para a democracia e para a sociedade brasileira.”

CC: Que inovação a Rede apresenta?
MS: Estamos vivendo uma profunda transformação no mundo. Obviamente, fazemos parte dessa mudança, por isso é tão difícil compreendê-la. O olho não consegue ver o que está dentro dele. Mas é possível um esforço de olhar no espelho. A Rede procura dialogar com esse novo sujeito político, que se diferencia do anterior em vários aspectos. Na minha época, o ativismo era sustentado por organizações muito definidas: partidos, sindicatos, organizações estudantis, centrais sindicais. Isso no campo das lutas populares. Entre os grupos que a nós se opunham, havia corporações que faziam a sua parte dentro dos partidos.  É o que chamo de ativismo dirigido. Hoje, emergiu o ativismo autoral. Esse tipo de ativismo não é mais dirigido por instituições ou líderes carismáticos. A Rede aprofunda esse diálogo com a sua base. Como não temos a lógica da votação para estabelecer quem ganha e quem perde, tradição clássica dos partidos, buscamos consensos progressivos. Ainda que a maioria da direção tenha concordado com a ideia da aliança programática, uma parte não concordou. Vamos continuar o debate, buscar o consenso progressivo. As pessoas têm o direito de discordar e manifestar sua posição. Nossos militantes não estão ali porque a Marina Silva ou a Rede pediu. Estão convencidas e acreditam nesse projeto. As manifestações de junho é uma demonstração disso.

CC: Por quê?
MS: Não eram protestos convocados por partidos ou sindicatos. Como surgiu essa multidão nas ruas? Todos queriam um mundo melhor, ainda que as bandeiras se apresentassem na forma de um mosaico, com uma polifonia de vozes. Havia, porém, algo em comum entre os manifestantes: o desejo de um Brasil melhor.