O gato que está virando candidato
Carlos Chagas
O que é, o que é, que mia feito gato, tem bigodes de gato e pula feito gato? Só pode ser um gato. Por analogia, é o quê, aquele cidadão que prega uma justiça mais célere e mais eficiente; que defende a ascensão de juízes aos tribunais superiores através de mecanismos automáticos, sem o pernicioso fenômeno de obrigá-los a subserviência aos políticos; que sustenta a cláusula de barreira; e que afirma a impossibilidade de o sistema político funcionar com 10, 15 ou até 30 partidos?
Só pode ser um candidato, quem assim se pronuncia, aliás, tendo enunciado essas observações numa única oportunidade. Tratou-se da exposição de parte de sua plataforma.
É claro que todo mundo tem o direito de manifestar suas idéias, sem precisar disputar eleições, mas as coisas ficam diferentes quando se trata de alguém cujo nome vem sendo referido centenas de vezes como possível candidato à presidência da República.
Foi o que aconteceu segunda-feira, em São Paulo, com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, falando num seminário sobre assuntos econômicos e políticos. Suas observações tiveram tom de crítica mas também apontaram soluções. Fosse a única vez em que o chefe do Poder Judiciário manifestou-se sobre os temas referidos e nada se acrescentaria.
O problema é que tem sido muitas as observações e as críticas feitas por Barbosa a respeito da realidade nacional. Aos poucos, vai apresentando um programa com começo, meio e fim, ou seja, um roteiro de candidato, apesar de continuar negando a candidatura. Já criticou a falta de ideologia nos partidos, a corrupção, a impunidade e quantas outras mazelas que nos assolam?
Na referida segunda-feira paulistana o ministro acrescentou críticas ao Lula, por conta de haver o ex-presidente mostrado arrependimento pela indicação de certos ministros de tribunais superiores. Assestou baterias sobre quem estará chefiando a campanha de sua possível adversária, no caso, a presidente Dilma Rousseff. Tudo de forma educada, mas áspera.
Em suma, o presidente do Supremo parece mesmo candidato, ainda que careça de um partido a respaldá-lo. Essa ausência não deve preocupá-lo, porque são várias as legendas que gostariam de abrigá-lo, ao seu primeiro aceno formal como pretendente à chefia do governo.
O EPISÓDIO NÃO SE REPETIRÁ
Durante o mandato de Fernando Henrique, o Lula visitou-o no palácio do Planalto. De bom humor, o então presidente pediu que o adversário se aproximasse da escrivaninha, afastasse a cadeira e sentasse nela. Meio desconfiado, o visitante obedeceu, ouvindo do sociólogo: “É bom se acostumar, pois um dia essa cadeira será sua.”
Nem por milagre a presidente Dilma repetirá o episódio, quando receber Joaquim Barbosa em seu gabinete, coisa que só acontece de forma bissexta, por razões de protocolo. Especialmente se for antes das eleições do ano que vem. Mas passará pela cabeça de ambos a imagem, quando acontecer.
O ANIMAL OU O VEGETAL?
Para demonstrar a diversidade de situações, vale lembrar a audiência que o então presidente Café Filho, ainda no palácio do Catete, no Rio, concedeu ao governador de Minas e já candidato declarado à sucessão presidencial. Eram mais do que adversários, detestavam-se, mas JK surpreendeu-se quando Café, todo amável, pediu-lhe sentar na cadeira de chefe do governo. Igualmente surpreso, o visitante obedeceu. Foi quando o presidente transfigurou-se, endureceu o cenho e disse: “Pode levantar, sabendo que essa foi a primeira e única vez que ocupou essa cadeira. Os militares não admitem sua candidatura!”
A audiência encerrou-se ali mesmo e o governador, passando pela Sala de Imprensa, foi perguntado pelos repórteres a respeito dos resultados da conversa, pois todos sabiam que um dos temas seria a elevação dos preços do café, que Minas reivindicava. Resposta do futuro presidente da República: “De que café você está falando, meu filho? Do vegetal ou do animal?”