GILVAN FREIRE: DO AFAGO E DO AFETO. DO DESAMOR E DO DESESPERO

GILVAN FREIRE

Havia um rei com suas manias de grandeza que, enfeitiçado pelo poder que embriaga, engana e deforma quase todos os homens em quase todos os tempos, queria saber o que pensavam os súditos a seu respeito, vez que de si mesmo julgava saber o suficiente pelos ditames de sua própria vaidade e ignorância e pela voz de seus asseclas. Pensava ser tudo e um pouco mais, porque ouvia nos ambientes palacianos o que mais gosta de sentir e ouvir a alma humana, além das liras: afagos e afetos. Afago é carinho, e afeto é afeição, amor.

Temeroso de que os afetos e afagos manifestados dentro do castelo real não fossem os mesmos das ruas onde pouco ia, e quando ia se protegia por um séquito imenso de adoradores regiamente pagos pelo combalido Tesouro da realeza, o monarca contratou um serviço secreto de pesquisa, para saber, de qualquer modo, o que o povo pensava a respeito de sua imagem – a verdadeira imagem pública do soberano, extraída da opinião nunca antes consultada aos governados. Foi difícil e arriscado dizer-se ao rei que a sua cara externa não correspondia à sua cara palaciana – não porque sua cara não fosse a mesma, mas porque havia diferença na forma de enxergá-la: os de dentro do castelo , por causa da submissão assalariada, olhavam-na com falsa ternura e dissimulada veneração, mas o público exterior via-a com desagrado e repulsão.

Informar e prevenir o rei foi dramático, mesmo aos que, contratados por ele, precisavam lhe passar a verdade. Nunca será fácil aos soberanos admitirem alguém contrariar-lhes a arrogância ou expor a sua ignorância, pois eles se julgam absolutos em sua capacidade de se imaginarem intocáveis, infalíveis, divinos e incontestáveis. O poder é mais louco do que todas as loucuras dos que o exercem – é como a Lua, que abastece de loucuras todos os lunáticos. Mas, enfim, o governante soubera de si mesmo pelos olhos da rua, e viu que tinha duas caras, quando estava acostumado a ter uma cara só. É sempre muito triste quando alguém descobre que é duplo quando pensa ser único. E quando, sendo dois ao mesmo tempo, não é ninguém, porque uma face nega a outra e as duas se anulam a falta de uma identidade.

De tanto se dizer que RC não tem afago e nem afeto, e que há, atualmente, dois governos e dois governadores governando a Paraíba, ele próprio tocou-se pela primeira vez e encomendou uma pesquisa para saber se a imagem construída pelos seus falsos veneradores palacianos, que tanto lhe passam a sensação de ser maioral, confere com a imagem retratada fora dos ambientes imperiais. Ele quer sair da dúvida mais atroz de todos os que se enganam com o poder: quem sou eu para o povo para quem governo à distância? O que meus governados pensam de mim, próximo do fim de meu reinado? Foi ai que RC descobriu que não é amado, precisamente pela lógica explicável de que também não sabe amar: é inafetivo e frio, mas seus asseclas nunca tiveram coragem de dizer-lhe isso.

Ultimamente, RC falou sobre essa questão delicada de sua personalidade e de seu pontificado de divinização que empresta à sua passagem pelo governo. Certamente angustiado e surpreso, deparou-se com as duas faces que aparece a dois públicos distintos na administração estadual, o interno e o externo. Disse não precisar de afagos nem de tapinhas nas costas para governar, mas esqueceu de revelar se sabe ter afeto e fazer afago, as duas coisas que até o mais esquisitos dos homens gosta de receber, mesmo quando não souber dar. Ora, se RC não sabe se explicar na hora em que duelam contra si as duas faces contraditórias de sua personalidade, por quê haverá de caber culpa aos outros? Ao final de seu reinado, o rei está descoberto. E só porque ele percorreu o caminho do desamor, nada lhe resta mais a não ser o desengano e o desespero. Era de prever-se.