GILVAN FREIRE: CÁSSIO VAI MUDAR RC. OU, PELO MENOS, O GOVERNO

A crise de relacionamento e confiança entre Cássio começou precisamente em 2010, ano eleitoral em que Cássio achava que ou aniquilava seu maior inimigo Zé Maranhão ou seria devastado pelo continuísmo dele no governo. Afinal, anteriormente, os dois tinham feito do poder a base de lançamento de mísseis de altíssimo teor destrutivo de um contra o outro, cada deles exibindo marcas de sofrimento e perdas. Na última batalha, decidida no tapetão judiciário, os dois entendiam ter conquistado o mandato de 2006 a 2010, mas as manobras e o tempo terminaram fazendo uma espécie de justiça salomânica, reservando dois anos para um e dois anos para o outro, o que nunca agradou a qualquer deles, muito menos a seus eleitores. Nem Salomão ajudou.

Ficando cada vez mais reinida a guerra entre Zé e Cássio, e estando Maranhão no poder, governando com mão de ferro e querendo reeleger-se governador, Cássio (que não podia ser candidato novamente ao cargo) ofereceu-se como muleta a quem pudesse desafiar o maranhismo vitaminado pelos cofres gordos de uma administração que se alastrava em recursos e com obras em todo lugar. Maranhão parecia imbatível e, embora não tenha um perfil arrogante, deixou que seu núcleo de assessoria mais intima colocasse em seus pés um par de sapatos altos, quando só precisava manter as velhas e usadas sandálias da humildade. Tropeçou e caiu.

RC, que tinha sido vitorioso na Capital com o apoio de Zé Maranhão contra o cassismo por duas vezes, transformando João Pessoa em avançado território estratégico da guerra entre os dois caciques, entendeu sem pestanejar que era a hora de mudar de lado e usar Cássio como muleta para destroçar seu mais valoroso aliado, Zé, interpretando corretamente o vazio político, o fenômeno Cássio e a sua primeira e grande chance de chegar ao governo do Estado por obra e graça da desavença entre os dois líderes beligerantes.

Acossado pelo maranhismo, que marchava célere para tirar-lhe do mapa político do Estado a qualquer custo, Cássio interpretou também o vazio político e a arte da guerra que recomenda conquistar batalhões do exército inimigo para fragilizar-lhe os flancos, abaixar o seu moral e ampliar as possibilidades de vitória. Foi assim que Cássio armou Ricardo contra Zé Maranhão, e nem precisou saber o grau de sua confiança, pois do desertor só se exige que deserte apenas. É ganhar a guerra, bem ou mal, e o resto se resolve depois, quando forem discutidos os méritos e os bônus da vitória e as qualidades pessoais de cada guerreiro.

Durante a guerra de 2010 não houve tempo para que Cássio conhecesse bem Ricardo, porque, precisando de ajuda, RC parecia razoável, assim como todo paciente em estado de necessidade parece bonzinho ao médico. Havia traços de arrogância, intolerância e frieza, mas isso seria apenas um indício, não uma prova consumada de anormalidade comportamental. E não podia haver recuos.

Mas foi no governo que Cássio experimentou o pior dos dilemas: conviver com RC e sua mania de deus, avaliar o estado de felicidade dos soldados que transferiu ao exército do aliado, medir sua própria capacidade de reação e decifrar o humor político da população (base de qualquer exército nas guerras eleitorais), além de analisar os movimentos do maranhismo histórico e as novas gerações do PMDB. Por causa de tudo isso, aos 1.000 dias de RC no governo, Cássio já pode dizer o que pensa. E está abrindo o bico. Era tempo.

Mas, o que vai acontecer daqui prá frente? Perdida a muleta e com as pernas bambas para caminhar contra mais um benfeitor, RC entra em pânico e só lhe resta em pouco tempo (440 dias de governo) ser o homem bom e generoso que nunca foi e nem quis ser. Resta esfolar os cofres públicos para realizar um governo que ainda não concluiu sequer as mais importantes realizações deixadas por seus antecessores, e nem concluiu o pouco que ele mesmo projetou. Sem Cássio, RC deverá ser para o povo o que o paciente em estado de sofrimento quer ser para o médico: bonzinho. Já até peregrina pelas igrejas, e fará obras de caridade. Mas nada que possa mudar a imagem de perverso que cristalizou em 1.000 dias de frieza polar. E o tempo que falta é pouco para descongelar.