Em 10 de outubro, serão completados 1.000 dias do governo de Ricardo Coutinho, marco que vem sendo comemorado pela própria administração há algumas semanas. Estaremos a 69,44% do tempo integral do atual mandato, descambando para o final da gestão. Aleluia!
Mas, se o tempo corroeu a máquina pública que antes vinha funcionando de certa forma bem, pelo menos no padrão histórico, a grande questão é como recuperar o tempo perdido e enfrentar daqui pra frente as dificuldades que se agravaram muito nesses últimos tempos. Se existissem ainda os problemas herdados pela atual gestão, porque não tivemos anteriormente governos transformadores de nossa realidade socioeconômica, já seria necessário não apenas um bom governo de grande mudanças, mas um governo revolucionário, impactante, capaz de mexer, a partir da cultura política (maior símbolo do atraso), com as estruturas e métodos da administração.
O nosso maior impacto sofrido recentemente, além dos desacertos administrativos ocorridos, foi a inversão da expectativa do eleitor, que votou numa promessa de mudanças dos rumos da gestão pública, baseada numa experiência pouco debatida de administração municipal que parecia transformadora, embora desenvolvida sem a fiscalização do povo e das organizações políticas encarregadas da fiscalização e da critica. Sem fiscalização e sem censura todo governo parece bom, mas, invariavelmente, sem critica, nenhum governo pode dá certo.
Foi nesse particular da critica inexistente e da falta de controle social que o governo de RC enveredou pelo desastre. O próprio governante, que tem um DNA atípico e anormal, foi incapaz de perceber que entre o discurso do líder e os feitos da administração havia um abismo onde estava sendo jogado o povo, especialmente aqueles que mais precisam de políticas públicas e ações governamentais.
Toda vida em que o governante é incensado por mirras atiradas pelos adoradores de cofres públicos e pela legião de serviçais que se formam em torno dos palácios, ficam impedidos de conhecer a verdade mais crucial dos governados, especialmente se sua personalidade for carente de afago e deserta de amizades. O dinheiro da corte tem o poder de comprar amigos para os reis solitários, mas eles não preenchem o vazio de um rei que precisa do amor de seu povo e carece de palavras honestas que lhe cheguem aos ouvidos para advertir-lhe sobre os descaminhos.
No caso de RC, seus puxa-sacos nem conseguem ficar muito perto dele, porque ele detesta companhias, com seu estilo solitário e arredio, mas passam-lhe a impressão de que faz o melhor governo do mundo, como fundador do mais revolucionário método republicano do país, e sobre isso ele gostou de se enganar. Mas realezas antigas, reis narcisistas que amavam mais a si mesmo do que aos outros e recebiam esse carinho e louvação como obra do financiamento público, só descobriram o quanto tinham se enganado após serem enxotados do poder. Traídos, depostos, degredados ou mortos brutalmente, quando não se suicidaram ou levaram ao cadafalso familiares e colaboradores, esses idiotas históricos (via de regra anormais psíquicos), deixaram essas lembranças do que não deve ser feito em nome do poder. Parece que em vão.
Na Paraíba, nesses 1.000 dias de monumentais desencontros entre a promessa que iludiu o povo e a ilusão que alimenta o espírito e as carências do governante, há um fosso tenebroso que assusta porque há um escuro que se projeta para 440 dias a frente, que é o tempo que RC tem para enxotar todos os incensadores palacianos que lhe enganam os ouvidos tocando liras, enquanto o povo geme e sofre e ele não houve. Há remotíssimas esperanças de que algo mude, mas ficarão mais tarde as lembranças de um povo que derruba uma corte inteira e expulsa o rei surdo, só para que fique o exemplo. Mas, ainda que isso ocorra mais tarde, restam noites de pesadelos e dias sombrios. Com a vantagem de que não terá sido em vão. Possivelmente.