GILVAN FREIRE: EU, TIÃO, LUIS TÔRRES E RC

GILVAN FREIRE

> tirei Burity debaixo de uma mesa sobre uma poça de sangue

> Ronaldo queria suicidar-se.

> guardei meu paletó, todo sujo de sangue de Burity

Se eu não tivesse cuidado, RC e seu governo fariam comigo o que têm feito com milhares de pessoas na Paraíba: a perda da esperança nos homens públicos. Digamos que eu tenha decifrado RC a tempo, depois que fiz relação de amizade com ele na Assembleia e votei nele para prefeito de João Pessoa. Assustado com o que vi de perto na análise de sua natureza (exame da personalidade), desisti de achá-lo interessante e fui para a linha de combate critico, pois a sua falta de afetividade é assombrosa, com a agravante de que no lugar de sua inafetividade medrou dentro dele a perversidade, distorção psicológica que impossibilita a nossa convivência. Quê culpa tenho se sou mole para chorar pelas dores e desgraças alheias e por isso passei a nutrir uma incontida repulsa pelos homens maus?

 

Ainda não era deputado quando votei em Burity para governador em 1986, percorrendo com ele o Estado em companhia de Valdir dos Santos Lima, Walter Arcoverde e Raimundo Resende. Fazia tudo de graça, porque ele me encantava pela formação acadêmica e porque tinha seduzido o povo e o PMDB sem precisar provar que era humanamente normal como os eleitores em sua esmagadora maioria o são. Buriti, o filhote da ditadura que revelara-se líder de massas e pastor dos evangelhos democráticos, coisa que parecia condizente com a sua cultura jurídica, descambou logo para a linha do governo autocrático, para o desmanche da administração, o isolamento político, a inconvivência e a judiação dos servidores públicos. Ingressei na trincheira de combate a seu governo como advogado e militante político e me elegi deputado estadual. Minha honra, minha vida, minha modestíssima história: nada devo de favor pessoal ou familiar, ou de qualquer outra natureza, a Burity ou a RC. Posso ser crítico sem medo e sem perda da vergonha.

 

De Burity não quero mais falar. Não porque ele tenha morrido (os homens públicos devem ser punidos ou agraciados pela história, a qualquer tempo), mas porque gosto muito de seu filho Maurício e não desejo feri-lo combatendo o pai morto – e não sou historiador. Mas eu estava no Gulliver quando Ronaldo atirou em Burity e intervi na cena. Vi tudo a curtíssima distancia de menos de três metros. Imobilizado Ronaldo, tirei Burity debaixo de uma mesa sobre uma poça de sangue e passei seu braço esquerdo no meu pescoço e o levei até um gol branco, pertencente ao empresário Tadeu Pinto, que o levou até o hospital. Tadeu abriu a porta do lado direito e eu coloquei ali Burity, que me olhou com olhos atônitos, sem óculos, e me agradeceu com um gesto comovente, enquanto pela sua boca jorrava sangue. Pensei que era uma hemorragia do corpo e que ele morreria em seguida, embora não estivesse muito combalido ou sem perda da consciência. Só depois disso voltei para retirar Ronaldo, que saiu comigo e Cícero e um motorista. Ronaldo queria suicidar-se.

 

Roberto Buriti, deputado comigo na Assembleia, me disse no dia seguinte que Burity registrou meu gesto à família, e também me agradeceu. Mas, como era o presidente da Assembleia, aliado e amigo de Ronaldo (pouco tempo antes havia sido seu líder na AL), e também testemunha do caso, passei a ser figura central das versões e das opiniões políticas coletadas por todos os órgãos da imprensa brasileira sobre o episódio durante dias. Criei a versão de advogado em defesa do amigo incriminado de que Burity, ao ver Ronaldo se aproximando de sua mesa, levantou-se para reagir ao iminente ataque. Imaginei ser essa versão preparatória para o processo criminal. Está nos autos. Essa tese, que não era verdadeira, irritou a Burity e seus familiares, que inventaram a omissão de socorro para me retaliar. Balas trocadas nas inverdades circunstanciais de delicados momentos da vida. Nenhum de nós pode ter orgulho de não ter dito a verdade, por razões que, mesmo assim, temos que tolerar uns dos outros, cobrados que fomos por episódios delicados envolvendo aliados e adversários políticos e suas contendas drásticas e acidentais.

 

Fiquei ferido diante do que, em principio, me parecia grande ingratidão da parte dos familiares de Burity, mas pensei depois: ora, não seria legitima a revolta da família de Burity e do próprio diante da minha versão inventada de que a vítima teria reagido à agressão iminente do agressor? Apenas me acautelei e guardei meu paletó, todo sujo de sangue de Burity, que ainda hoje guardo com as marcas de seu braço esquerdo em volta da gola e dos ombros, e passei a desafiar a quantos duvidassem disso. O paletó está num saco plástico, mofado, amarrotado e fedido, mas ali há o sangue de Burity, que é prova para desmoralizar e calar aos que pensam que dou meus calcanhares a pegar. Quem se habilita ao teste da mentira, do insulto e da honra? A minha inverdade circunstancial, criando uma versão para o crime do Gulliver, eu assumo para não diminuir e nem violentar a minha dignidade, e para que eu possa ter autoridade moral para desafiar os que, sem motivação decente ou justificável, pensam em me intimidar ou me calar.

 

Tião Lucena, o Tião medonho, me censura sem causa, em seu blog, pensando talvez que a nossa amizade lhe dá o direito ou a confiança de me provocar com uma injustiça recheada de inveracidades. Por quê Tião faz isso? É porque não citei ele e Luis Tôrres como os homens-bomba que detonaram RC, em artigo recente. Mas como poderia incluí-los e cometer tão grave infâmia, torpe injúria e caluniação tão vil? Quem acreditaria que Luis Tôrres e Tião medonho são capazes de afrontar ou pelo menos censurar Ricardo e seu governo? Desafiados a acreditar no que não lhes parecia crível, os matutos mais antigos diziam assim: – “Creia em Deus que é santo velho, home!”

 

Só não vou ficar com raiva de Tião e Luis Tôrres para não dá alegria a Ricardo Coutinho ou ter de trocá-los por ele. Isso seria uma troca muito desvantajosa para mim e para RC, porque nem eu quero nada com ele nem ele quer comigo – e esse é o aspecto mais justo da questão! Mas, se eu ficar com Tião e Lula, ao menos corro o risco de salvá-los da perdição, já que de RC não tenho a mais remota esperança. Nisso eu creio em Deus, o santo velho.