Uma CPI fora de tempo e lugar

Rubens Nóbrega

O jornalista Helder Moura antecipou ontem à tarde, durante instigante participação no programa Cotidiano (CBN João Pessoa), que o deputado Gervásio Maia deve protocolar hoje na Assembleia requerimento para instalação de uma CPI do Jampa Digital.

Como a devida vênia, considero no mínimo inadequada uma comissão parlamentar de inquérito no Legislativo Estadual para investigar um assunto municipal (da Prefeitura de João Pessoa) que envolve verba federal (do Ministério da Ciência e Tecnologia).

Além do mais, o projeto Jampa Digital já teve suas cabeludas irregularidades bem apuradas pela Polícia Federal, cujas conclusões foram acatadas pelo Ministério Público Federal. E o MPF, por sua vez, levou o processo ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Imagino que a iniciativa do Deputado Gervásio tem serventia política, de disputa política, em tese com o propósito de desgastar a imagem do governador Ricardo Coutinho, que lançou, licitou e contratou o Jampa Digital quando era prefeito de João Pessoa.

Sob a ótica e a lógica da estratégia oposicionista, a CPI tem toda a razão de ser. Mas faltar-lhe-ia, salvo melhor juízo, o sentido institucional, o caráter instrumental de apuração de desmandos praticados por gestores públicos submetidos à fiscalização do Legislativo.

Posso estar equivocado, mas, para além do institucional, no caso específico do Jampa Digital inexistiria base constitucional para dar suporte jurídico a uma CPI na Assembleia, posto que a comissão dedicar-se-ia, como já dito, a uma questão estritamente municipal.

Tenho ainda que as visíveis inconsistências de uma CPI estadual para um tema municipal não apenas banalizariam a comissão como ferramenta investigativa. Dariam ao principal investigado – e possível grande beneficiado do Jampa Digital – a régua e o compasso para traçar na Justiça a morte da proposta do expoente da oposição.

Se a bola está com a Justiça, o mais sensato e prático é aguardar que a peleja se resolva por lá. Ainda mais que lá é o Supremo, para onde subiram os bagrinhos indiciados no processo do Jampa graças à prerrogativa de foro dos tubarões que caíram na rede da PF.

Na Câmara poderia ser

Entendo que uma CPI do Jampa Digital cairia bem no colo da Câmara de Vereadores da Capital. Serviria, inclusive, para o Legislativo Municipal sacudir a sua apatia política e voltar a se sentir um poder de verdade.
Digo serviria porque, não importa o plenário, uma CPI agora para apurar o que já foi apurado equivale a chover no molhado, a dar em nada. Tal e qual tentar conectar-se à Internet usando o Jampa Digital.
Sugestões de boas CPIs

• CPI da Lagosta – Sobre gastos pessoais e excessos de gastos com luxos gastronômicos e outras mordomias pagas com dinheiro público, como mostrou auditoria do Tribunal de Contas do Estado nas compras da Casa Civil do Governador para a Granja Santana em 2011.

• CPI do Trauma – Sobre terceirização e precarização dos serviços de saúde sob responsabilidade do Estado, do milionário contrato com a ‘Cruz Vermelha’ para faturar o Hospital de Trauma da Capital à recorrente falta de médicos em hospitais regionais, Arlinda Marques etc. e de medicamentos de uso continuado para quem mais precisa.

• CPI do Avião – Sobre denúncias de desvio de dinheiro da saúde para compra de avião e uso dessa aeronave do Estado em viagens para festas e passeios do governador e primeira dama em voos turísticos por diversos pontos do país.

• CPI da Desk – Sobre denúncias de compras de móveis escolares a preços superfaturados às empresas Desk e Delta pelas Secretarias de Educação e de Esportes do Estado no atual governo e seus dois últimos antecessores.

• CPI das Cartilhas – Sobre denúncias de compras milionárias de cartilhas com dicas para enfrentar a dengue e provas do Enem, conteúdos disponíveis gratuitamente na Internet e em materiais impressos distribuídos também de graça pelo Governo Federal.

• CPI do Abandono – Sobre denúncias de falta deliberada de manutenção e conservação do patrimônio do Estado preexistente ao atual governo (estradas, pontes, rodoviárias, escolas, unidades de saúde etc.) e omissão na assistência à população mais prejudicada pela seca prolongada.

• CPI da Orgia Publicitária – Sobre denúncias de gastos com publicidade superiores a R$ 70 milhões sem critério técnico ou critério algum e instrumentalização de veículos oficiais (rádio, jornal e a própria Secretaria de Comunicação do Estado) para promoção pessoal e política do atual governador e de sua campanha à reeleição.

• CPI da Renúncia Fiscal – Sobre denúncias de concessão de extraordinários benefícios fiscais a grandes empresas em cifras bem superiores aos investimentos prometidos ou acertados, ao mesmo tempo em que arrocha e sufoca os micros e pequenos empresários paraibanos com uma carga tributária escorchante.