Marina Silva, ex-senadora
Com a denominação nada sutil de “Orçamento impositivo”, o PMDB se coloca como sócio majoritário da coligação governista e quer tornar obrigatório, por meio de uma PEC, o atendimento das emendas parlamentares individuais ao Orçamento federal.
Na maioria dos casos, o argumento é verdadeiro: as emendas servem à chantagem no jogo do “só voto se liberar, só libero se votar”. Mas a solução é falsa: submete o planejamento do país ao “puxa-estica” dos interesses particulares, regionais ou corporativos.
Uma das principais funções do Congresso é aprovar o Orçamento público. É da natureza do processo que sejam apresentadas emendas para alterar a alocação dos recursos. Como fazer com que isso seja parte da regra republicana, e não sua corrosão destrutiva? Boas propostas não faltam, mas ficam sufocadas no jogo de interesses. O deputado Walter Feldman apresentou projeto restringindo o poder das emendas individuais, mas, justamente por isso, não conseguiu de seus colegas as assinaturas necessárias para chegar ao plenário.
Vivi esse dilema dos dois lados, como senadora por um Estado que necessita de recursos federais e como ministra, procurando combinar as emendas parlamentares com os programas do ministério, para que não fossem projetos isolados de qualquer planejamento. A boa vontade e o diálogo podem melhorar as coisas, mas o problema estrutural permanece.
Isso diz respeito tanto ao sistema político quanto ao chamado pacto federativo. O sistema tributário extremamente centralizado coloca os municípios em situação de mendicância, pois recebem menos de 20% do que é arrecadado pelo Estado e vivem nos corredores de Brasília de pires na mão. Esse é o principal insumo da fábrica de emendas parlamentares, que transforma congressistas em vereadores federais.
Há também o faz de conta orçamentário, com as receitas sobrestimadas, para que possam caber todas as demandas de ministérios, Estados, prefeituras, parlamentares, empresas, lobbies de todo tipo. Todos sabem que não será possível realizar todos os gastos, mas o importante é “abrir a janela” para depois negociar. O resultado é a insatisfação de muitos, para a alegria de poucos.
É necessário mudar as regras, mas, antes de pensar em algo impositivo, seria bom tomar uma pouco de Maracugina, para diminuir a ansiedade que antecede o ano eleitoral.
A situação no país não permite irresponsabilidades e o governo deve saber que a permissividade com os recursos públicos, se é objeto de desejo para as próximas eleições, já está na mira das novas gerações. Todo mundo está vendo tudo e, no final, quem sabe não trocaremos o impositivo político pelo imperativo ético de regras que sejam mais compatíveis com esse olhar novo, atento, exigente, comprometido.