O Papa, o povo, os pobres e a paz

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Gilvan Freire

Durante oitos dias o Brasil teve um líder capaz de mobilizar milhões de pessoas – não só os turbilhões que foram às ruas mas os muitos milhões que ouviram atentamente o que o líder dizia e fizeram coro com ele. Claro, o fenômeno não é político, mas está relacionado à conjuntura de desesperança em que o povo vive e a busca da felicidade coletiva. Antes do Papa chegar, milhões desses seres, em casa ou nas ruas, fizeram coros diferentes e protestaram contra a falta de líderes – ou foram líderes de si mesmos, amarelando os que se acham donos dos poderes e julgam não dever prestação de contas à ninguém.

A apoteose do Papa e os protestos não são coisas muito distintas. Os dois ocupam um vazio perigoso nas carências da população, que busca a Cristo e aos homens de boa vontade para resolver pelo menos parte de suas inquietações. Deus chegou primeiro, através de um representante categorizado que não desmerece em nada a seu Filho, o enviado histórico para a salvação dos povos. Um Papa que não se pareça com Cristo, que não carregue o cargo como uma cruz, é apenas chefe do Vaticano, não um Apóstolo do Cristianismo.

Francisco é mistura de João XXIII e João Paulo II, possivelmente os melhores papas de todos os tempos. São os encarregados de refundar a Igreja que transformou Jesus, ao longo dos séculos, em objeto de adoração, e não de conscientização. O Evangelho sem apelo social, sem identidade com os povos e suas lutas, é livro de ornamentação – não é Escritura Sagrada. O sagrado há de ser divino pelo poder de modificar o mundo, e não de destruí-lo ou esquecê-lo. De transformar pessoas e libertar, e não deixá-las vítimas do destino e das algemas.

Mas, no Brasil, poucos meses depois de assumir o trono de Pedro, Francisco demonstra que o mundo cristão depende de um Deus vivo que mora entre os homens, e não habita apenas o Céu distante. Ele sabe ser Cristo na peregrinação e no sofrimento, na bondade, no exemplo, na luta, na palavra, na persistência, na resistência, na humildade e na construção da concórdia e da paz, em meio aos conflitos dilaceradores da alma humana. Sem líderes como Bergoglio o mundo perde o equilíbrio e os povos perdem a esperança e a fé, que são santos remédios para a humanidade curar seus males psicológicos e vencer a depressão coletiva em face da desesperança.

Pode-se dizer que o país é outro depois dos protestos de rua e da visita do papa. A depressão social sumiu através do suspiro das manifestações e o povo encontrou apoio no Cristo ausente que chegou inteiro, de carne e osso, falando a linguagem das pessoas comuns, dos velhos, dos jovens e dos pobres em seu imenso e perverso abandono. Esse é o Jesus ressurreto, misericordioso, revolucionário, encorajador, que fala como profeta de uma primavera mundial – uma silenciosa mudança planetária, uma avalanche de paz, uma alavanca que pode mover o mundo e por os cristãos em marcha.

Dói saber que o Papa se foi e nós ficamos sujeitos a autoridades de menor dimensão, a políticos e gestores que não compreendem esse pequeno mundo brasileiro de descaminhos e desatenções. Por onde o Papa passou não houve uma menção sequer às autoridades que governam o povo. Era proibido falar neles, como se eles mais do que o povo carecessem de misericórdia. Pobres pecadores que sabem o que fazem mas não sabem para que servem! Deus tenha piedade dos incapazes! E dos desonestos.