Educação, petróleo e manipulação

Paulo Rubem Santiago

Nos dias 9 e 10 de julho, a Câmara dos Deputados viveu intenso processo de negociações, debates e votações, com ampla repercussão nos destinos da educação do país. Refiro-me ao montante de recursos que deverão sair do Fundo Social do Pré-Sal, definido na Lei 12.351 de dezembro de 2010, para serem investidos em educação pública nos próximos dez anos. Iremos fazê-lo de forma corajosa, com sólido investimento em educação, ou deixaremos mais uma vez passar o bonde da história sem que estejamos devidamente inseridos nessa oportunidade?

Nunca é demais lembrar que, entre dezembro de 2010 e junho de 2012, a Câmara começou a escolher definitivamente em que bases pretendemos assentar o futuro do país. Estávamos discutindo emendas constitucionais, uma nova lei de diretrizes e bases, um novo Plano Nacional de Educação. Foi quando o Legislativo aprovou a redação final do Projeto de Lei 8.035/2010, agora em análise no Senado.

Nos termos dos artigos 47 e 48 da Lei 12.351/2010, o Fundo do Social do Pré-Sal tem natureza contábil e financeira. É fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, em programas e projetos nas áreas de desenvolvimento da educação, da cultura, do esporte, da saúde pública, da ciência e tecnologia, do meio ambiente e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e de combate à pobreza. As ações observarão o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e as respectivas dotações consignadas na Lei Orçamentária Anual (LOA).

A política de investimentos do fundo social tem por objetivo buscar a rentabilidade, a segurança e a liquidez de suas aplicações e assegurar sua sustentabilidade econômica e financeira para o cumprimento das finalidades definidas nos artigos 47 e 48 da Lei 12.351/2010. Por isso, definiu-se que os seus investimentos e aplicações serão destinados preferencialmente a ativos no exterior, com a finalidade de mitigar a volatilidade de renda e de preços na economia nacional. Os recursos do fundo para aplicação nos programas e projetos a que se refere o artigo 47 deverão ser os resultantes do retorno sobre seu capital.

Na elaboração da lei do fundo, em 2010, sugeri que 50% desse retorno fosse aplicado em educação, proposição vetada pelo presidente Lula sem maiores explicações. A partir do veto, de lá para cá, analisamos quanto o fundo destinaria de fato para as áreas sociais ao estabelecer para isso só as receitas derivadas da destinação de seus ativos, como os juros de uma poupança. Para isso tomamos como parâmetro a aplicação das reservas cambiais do país, como se faz hoje em papéis do tesouro americano, que rendem 1% ao ano. Ora, um fundo de R$ 10 bilhões, por exemplo, só renderia R$ 100 milhões a serem aplicados nas áreas definidas no artigo 47. Uma ninharia, mesmo que 100% dessas receitas fossem para a educação, conforme prometido depois pela presidenta Dilma, na Medida Provisória 592 e no Projeto de Lei 5.500/2013.

Nesse sentido, à luz dos indicadores educacionais do país e das necessidades do aporte efetivo de recursos para financiarmos os próximos dez anos das políticas educacionais, evitando-se o fracasso do primeiro Plano Nacional de Educação após 1988 (vigente entre 2001 e 2010), decidimos alterar a fonte do financiamento para a educação na destinação das receitas dos royalties. Apresentei e aprovei emenda ao Projeto de Lei 5.500/2013, transformado em substitutivo pelo relator, deputado André Figueiredo (PDT-CE). Sugeri que 50% do total das receitas do fundo fosse aplicado em educação, em vez de, apenas, 100% dos juros obtidos com a aplicação do capital do fundo.

Nos dias 9 e 10 de julho, o governo federal enviou ao Congresso emissários preparados em criar um clima de pânico e insegurança futura junto aos deputados. Enfatizaram que o fundo social não é “social”, mas sim um “fundo soberano”, uma ferramenta de proteção contra a entrada em excesso de moeda estrangeira no país, como forma de evitar a valorização do real. Para esses profetas do caos, os investimentos que pretendemos fazer com nossa emenda poderão trazer a “doença holandesa” ao Brasil. Trata-se de uma grosseira manipulação de fatos ocorridos na Holanda, entre as décadas de 1960 e 1970, quando aquele país vendeu rapidamente seu gás natural e viu a enxurrada de dólares na sua economia fortalecer sua moeda e as importações, mas enfraquecer as suas indústrias.

Nada disso tem relação com um fundo social aplicado (50%) corretamente na educação do país ao longo dos próximos dez anos. Enfim, o governo manipulou fatos, distorceu informações e, mais uma vez, quis que prevalecessem os interesses da esfera financeira (a aplicação do fundo no exterior). Vergonhoso, lastimável, inaceitável. Optou por não trocar parte de seus ativos por outro ativo: a educação. Esta, sim, promotora do conhecimento e da ciência e tecnologia, alavancas do desenvolvimento.

A ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Relações Institucionais, professora, ex-dirigente sindical da educação catarinense, com greves e manifestações no currículo, pelas quais chegou a ser deputada estadual e senadora, diz que o governo não “joga a toalha” e que vai tentar reverter a decisão da Câmara Federal. Infelizmente, percebemos que educadores do alto escalão do governo estão lutando contra mais e melhores investimentos para a educação. Talvez, cooptados pela lógica dos interesses financeiros do mercado e de seus próprios interesses no governo.