Um novo olhar sobre 64

foto

Nonato Guedes

Se tudo der certo, minha próxima incursão na preparação de livros deverá versar sobre os 50 anos do golpe militar que transcorrem em 2014. Em 94, por ocasião dos 30 anos, reuni, na qualidade de superintendente de “A União”, uma equipe jornalística do melhor nível, cuja tarefa era a de resgatar ou reconstituir fatos marcantes dos anos de chumbo, com ênfase para a Paraíba, mas fazendo-se a devida conexão com a conjuntura nacional. Resultou desse esforço a edição do livro “O Jogo da Verdade”, organizado por este repórter, pelo historiador José Octávio de Arruda Melo, pelos jornalistas Evandro Nóbrega e Sebastião Barbosa e pela professora Carla Mary S. Oliveira. Foi o primeiro documentário jornalístico de fôlego produzido na Paraíba sobre o tema.

A edição teve repercussão nacional e passou a fazer parte de bibliotecas de várias instituições, até no exterior, interessadas na radiografia sobre o movimento de 31 de março de 64. Embora o livro não tenha se convertido em material didático, com distribuição nas escolas públicas, é, ainda hoje, uma referência sempre que se procura retratar aquela fase. Na apresentação do livro, que teve capa de Milton Nóbrega, enfatizei que a História é insepultável e, sendo assim, precisa ser revisitada frequentemente para que se aclarem as verdades e que dos seus registros sejam extraídas lições capazes de tecer a moldura dos tempos contínuos. O objetivo do grupo arregimentado para aquela missão não era o de julgar ninguém, mas o de dar livre curso às versões de cada um, fosse qual fosse a tendência ideológica, para o confronto de informações e o julgamento do leitor.

José Octávio, por sua vez, observou que na preparação da edição especial do jornal que inspirou a feitura do livro, militantes de esquerda atiraram-se com sofreguidão ao mister de falar. Era como se estivessem com um grito engasgado desde que passou a prevalecer a história contada pelos “vencedores”. O golpe, como deixamos claro, dividiu a sociedade brasileira ao meio. Um dos lados saiu “vencido”, exatamente aquela vertente que resistiu contra a eclosão de um “putsch” à brasileira, adivinhando, no íntimo, as seqüelas que uma intervenção contra a ordem democrática poderia produzir, como, de fato, produziu, gerando as viúvas e os órfãos do “talvez”, do “quem sabe?”, conforme alusão pertinente que se fez à cortina de mistério que os ditos “vencedores” instituíram sobre desaparecimentos de militantes, prisões e torturas de ativistas, aqui e acolá exibindo apenas “cabeças cortadas” ou corpos mutilados, dentro de uma estratégia sádica para exemplar os que ousassem desafiar a ditadura.

No livro sobre o meio século do golpe, pretendo lançar um novo olhar sobre aquele momento histórico. “O Jogo da Verdade”, afinal de contas, teve o mérito de abrir a senda para que viessem à tona fatos escabrosos mantidos sob segredo de Estado, carimbados como secretos ou ultrassecretos, exatamente para que a opinião pública fosse mantida anestesiada quanto ao conhecimento das violações praticadas pelos gendarmes da repressão institucionalizada no Brasil. Outros livros foram lançados, da lavra de vítimas de arbitrariedades que resolveram contar em minúcias os vexames que sofreram nas masmorras dos Doi-Codi, da Operação Bandeirantes e de órgãos assemelhados. Temos hoje, também, as Comissões da Verdade, instituídas nos Estados a partir do embrião-mor, a Comissão Nacional instituída pela presidente Dilma Rousseff.

Disponho de depoimentos que trazem novo conteúdo à interpretação da longa noite das trevas, ou do obscurantismo. Pretendo, naturalmente, inseri-los no livro que ainda não tem título. Irei me socorrer, também, de conclusões recolhidas pela Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória, criada pelo governador Ricardo Coutinho. A propósito, destaco o trabalho dos sete integrantes dessa Comissão e homenageio a todos na figura de Waldir Porfírio, escritor, pesquisador, que tem dado colaborações inesgotáveis para reparação de injustiças enfrentadas pelos que lutavam por democracia e por justiça social.

Avalio, ainda, a hipótese de contar ou não com um colaborador para dividir comigo a operação de levantar dados, checar informações, extrair dúvidas que pairem porventura sobre fatos narrados de relance. É mais provável que eu decida assumir sozinho o ônus da empreitada, com vistas a dar coerência ao estilo e conduzir os relatos para o leito natural e verdadeiro, elidindo quaisquer falhas de registros que porventura já tenham sido cometidas. Sou um estudioso da temática das quarteladas militares, especialmente em países da América do Sul. Esse conhecimento me será essencial na elaboração do que vai vir à tona, se Deus quiser.