A mensagem das ruas, a mídia e os partidos

Students take part in a protest in Sao Paulo, Brazil on June 17, 2013, against a recent rise in public bus and subway fare from 3 to 3.20 reais (1.50 USD). Protesters in several major cities are up in arms over hikes in mass transit prices as well as over the $15 billion earmarked for the two sports events -Cofederations Cup and World Cup-- amid calls for more health and education funding. AFP PHOTO / Miguel SCHINCARIOL

Allan Cotrim e Renato Lima 

Uma frase, cunhada por Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas”, durante os movimentos pela redemocratização do Brasil em 1984, marcou época e continua bastante atual. Ele dizia que “a única coisa que mete medo em político é o povo nas ruas”. O filósofo italiano Antônio Negri também retrata a mesma temática: “O medo, na classe política, só é despertado pela multidão”. A força do povo nas ruas, durante os protestos de junho deste ano, ficou latente por meio de cartazes que diziam: “O gigante acordou”.

No calor dos acontecimentos, que ainda se fazem sentir por todos os cantos, uma série de análises tem surgido nos jornais, na televisão e nas redes sociais. Contudo, os especialistas ainda têm grande dificuldade para caracterizar os protestos atuais, especialmente em comparação com outros dois momentos históricos na vida política brasileira, como as “Diretas Já” e o impeachment do presidente Collor. Os estudiosos são unânimes ao dizer que ainda é precipitado fazer qualquer inferência sobre esse fenômeno social.

A razão dessa suposta dificuldade reside no fato de as passeatas que se viram pelo Brasil terem sido organizadas pelas redes sociais sem a participação de instituições públicas ou privadas. A liderança do movimento teve um caráter “compartilhado” entre várias pessoas (que não se conheciam entre si), e a pauta de reivindicações tem sido considerada como bastante difusa e sem elementos unificadores. No caso das “diretas” ou no impeachment, população e partidos estavam de mãos dadas pela mudança e defendiam as mesmas causas. Agora, não.

O professor de Filosofia da Unicamp, Marcos Nobre, ao tentar explicar o fenômeno, opina que os protestos de junho são o maior levante popular no Brasil desde a redemocratização. Num aspecto ele não tem dúvidas: os movimentos atuais trarão uma contribuição decisiva para o debate sobre os rumos da democracia representativa brasileira. As manifestações das ruas já foram descritas pelos principais clássicos das Ciências Sociais, que alertaram sobre a crise da democracia, o descrédito da classe política e a pressão por maior participação social no processo decisório.

A mídia, num primeiro instante, fez duras críticas ao movimento, realçando os problemas causados pelos baderneiros e vândalos que se aproveitam de qualquer aglomeração de pessoas para causar transtornos. Vendo que não havia muita saída, a cobertura passou a caracterizar as manifestações como pacíficas, apesar dos arruaceiros. Repórteres entravam ao vivo durante os telejornais noturnos com sorriso no rosto e brilho no olhar de satisfação, destacando a “beleza” e caráter histórico das passeatas. Não raro, pôde-se perceber até certo contentamento de alguns âncoras.

O movimento, ao contrário do que os meios de comunicação tinham mostrado nos primeiros dias, possuiu, sim, uma direção: o que move o povo é uma forte ojeriza à maneira como se faz política no Brasil e ao sistema partidário vigente, cujos principais interlocutores têm se mostrado surdos à mensagem das ruas. Algumas respostas concretas à pressão popular já começam a ser ouvidas – e concretizadas – pelo Legislativo e pelo Judiciário, inclusive repercutindo relativamente bem na mídia internacional.

O Executivo, porém, é que parece estar mais lento neste processo de mudanças. “O barco está à deriva”, disse o oposicionista Alvaro Dias em discurso no Senado Federal. Prova disso é a queda na popularidade do governo federal nas recentes pesquisas divulgadas pelo Datafolha. Sem nenhuma surpresa também decaíram os índices de popularidade de prefeitos o governadores. A intensidade dos protestos foi tamanha que os estragos causados à classe política ainda poderão ser sentidos até às eleições de 2014.

Independente do resultado final da eficácia das reivindicações, o mais importante é registrar que o povo saiu do comodismo. É uma reação ao sistema político que se estagnou, envelheceu e se fechou ao diálogo com a população. É uma reação necessária para dar dinamismo à sociedade. Apesar da pauta difusa, liderança acéfala e organização virtual, há um forte simbolismo em tudo isso: é o momento de a população desabafar, pedir mudanças e cobrar resultados.

No Brasil, está estabelecida a democracia representativa, com alguns mecanismos importantes de participação direta, como o plebiscito, o referendo e os projetos de lei de iniciativa popular. Os representantes são eleitos para um cargo, mas para tanto, devem estar filiados a partidos políticos. Os partidos servem justamente para aglutinar pessoas que pensam da mesma forma e possuem os mesmos sonhos de nação.

A maneira mais democrática de se mudar a política é mudando os partidos, e tal mudança só acontecerá se a população participar desses mesmos partidos políticos, ainda que desgastados e desacreditados. Nos partidos, pode-se empreender um debate qualificado sobre as questões nacionais e propor alternativas de solução. Se todas as pessoas que estão participando dos movimentos populares das ruas estivessem organizadas numa esfera partidária, elas poderiam ditar os rumos que o partido deveria tomar e mudar a conjuntura política nacional.

Mas a crise de representatividade é tão grande que os cidadãos têm-se mostrado apáticos e desmobilizados não só em termos partidários, mas dentro dos sindicatos, das entidades sociais, nos condomínios onde residem e até em relação a temas tão importantes para a sociedade como saúde, educação e segurança.

Uns poderão refutar essa tese ao afirmar que os partidos ainda são dominados por grupos, lordes, reis, príncipes e caciques. Os estatutos de cada agremiação partidária dispõem sobre a forma de deliberação das decisões. Se as decisões não são tomadas democraticamente, a saída é buscar outro partido (ou até fundar um). Se os partidos não são confiáveis, deve-se mudá-los, renovando-os por dentro, com novo frescor e novos filiados. Esta, sim, seria uma forma popular de se fazer reforma política.  Certamente dá mais trabalho e leva tempo, mas quem disse que seria fácil?