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Nonato Guedes

No caleidoscópio da mais longa primavera brasileira estava faltando alguma coisa: a espionagem externa. Agora não falta mais. Os Estados Unidos estão sendo acusados de espionar cidadãos brasileiros mediante um sistema virtual. Até 2002 teria funcionado em Brasília uma estação da Agência de Segurança Nacional que atuava em conjunto com a CIA. Contatos eletrônicos e telefônicos dos nossos cidadãos estariam sendo monitorados pelos norte-americanos. Há muita coisa nebulosa, ainda, até porque o governo dos Estados Unidos já avisou que não responderá publicamente à denúncia da espionagem. A embaixada de Tio Sam em Brasília foi aconselhada a aguardar orientações de Washington para se manifestar sobre o tema.

A denúncia não poderia ter vazado num momento mais complicado, a três meses da primeira visita de Estado da presidente Dilma Rousseff àquele país. Em tese, a visita de Estado é autorizada apenas a alguns parceiros, daí se revestir de características especiais. Mas o contrato de parceria não supõe, necessariamente, que a espionagem seja tolerada. Pelo que revela o Departamento de Estado americano, a política do país é de obter inteligência estrangeira do tipo coletado por todas as nações. O chanceler brasileiro Antonio Patriota afirma que foram solicitados esclarecimentos e que o governo de Dilma recebeu com grave preocupação a notícia desse monitoramento. Falou-se, também, no lançamento, pelo governo brasileiro, na ONU, de iniciativas para a fixação de normas claras de comportamento para os países quanto à privacidade das comunicações dos cidadãos e à preservação da soberania dos demais Estados. O Itamaraty pretende ainda reivindicar à União Internacional de Telecomunicações, em Genebra, na Suíça, o aperfeiçoamento de regras multilaterais sobre segurança das telecomunicações.

No Congresso brasileiro, parlamentares passaram a questionar o chefe da Abin, Wilson Trezza, sobre o absurdo de ter sido instalada uma base estrangeira a poucos quilômetros da capital do país, fazendo espionagem, sem que o governo brasileiro tivesse conhecimento oficial do que está por trás dessa operação, que aparentemente envolveria grandes empresas privadas. Ressalte-se que não foi apenas o Brasil que se viu no centro do furacão. Ao todo, 38 nações, incluindo França, Itália, Grécia, México, Turquia, Japão, Índia e Coréia do Sul estariam no pacote. Seria mesmo mera tentativa de detectar suspeitos de terrorismo? A revista “CartaCapital” tem insistido em dizer que um esquema dessa dimensão seria usado, também, ou principalmente, para a espionagem comercial e política.

Documentos que estão vindo à tona mostram que 80 transnacionais das áreas de telecomunicações, infraestrutura de rede, software e segurança apóiam a vigilância das redes estrangeiras, apesar de terem prometido confidencialidade aos clientes e serem teoricamente obrigadas a acatar as leis dos países nos quais atuam. Três países são tidos como suficientemente confiáveis ou submissos para não serem espionados: Canadá, Austrália e Nova Zelândia, chamados “segundo nível”. O primeiro nível, naturalmente, fica com os Estados Unidos. Interessante foi a resposta de Barack Obama, quando se encontrava na Tanzânia: “Garanto a vocês que nas capitais européias há pessoas interessadas, senão no que eu comi no café da manhã, pelo menos em quais temas eu poderia tratar se fosse me encontrar com seus líderes. É assim que os serviços de inteligência operam”.

Alegar, como o fez John Kerry, secretário de Estado americano, que todos os países do mundo envolvidos em assuntos internacionais de segurança nacional desenvolvem muitas atividades para proteger a sua segurança, e que todos os tipos de informação contribuem para isso, não esclarece muita coisa, sinceramente. Ainda para ficarmos no raciocínio de “CartaCapital”, é difícil entender como espionar diplomatas e ministros da Alemanha ou da França poderia proteger a segurança nacional dos EUA.

Mas é fácil imaginar como isso é usado para obter vantagens desleais em negociações comerciais. Chegar à mesa sabendo as fraquezas, divisões, dúvidas e limites da outra parte basta para se dominar a situação, sem falar da possibilidade de se recorrer à chantagem. O que precisa haver, da parte de líderes de países espionados, é mais empenho para proteger a soberania das nações que dirigem e a privacidade dos seus cidadãos. Pedir esclarecimentos, de fato, parece uma piada. Ou uma deslavada capitulação. E, quanto aos EUA, toda a bisbilhotice patrocinada não foi capaz de orientá-los quanto a políticas externas mais seguras para seus interesses. Reage, Dilma!