Suplentes de senadores poderão perder as vagas

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Nonato Guedes

A sugestão da presidente Dilma Rousseff para que na reforma política seja extinta a figura do suplente de senador encontra apoio em setores influentes da opinião pública. Há quem compare os suplentes a uma reencarnação dos “senadores biônicos”, inventados pelo regime militar, no governo do general Ernesto Geisel, mediante o pacote de 14 de abril de 1977. Pelo dispositivo, um terço da representação no Senado seria preenchido com senadores eleitos indiretamente pelas Assembléias Legislativas dos Estados. Na justificativa da mensagem, Geisel argumentava a necessidade de serem premiadas figuras exponenciais da vida brasileira que, mesmo sem terem sido testadas nas urnas, poderiam oferecer contribuição valiosa ao arcabouço político e institucional. Na prática, temendo o agravamento da impopularidade do regime, Geisel procurou reforçar a maioria governista para aprovar matérias de seu interesse. Já eram latentes os sinais de avanço da oposição, que numa das disputas chegou a eleger 16 senadores, lançados pelo extinto MDB, infligindo uma derrota acachapante ao partido de sustentação do regime, a Arena. Os “biônicos” sumiram na voragem da reabertura democrática, que envolveu, inclusive, eleição direta para presidente da República. Um dos representantes da Paraíba foi Milton Cabral, que também se elegeu governador indiretamente, por escolha da Assembléia, na renúncia concomitante de Wilson Braga e José Carlos da Silva Júnior, em 1986.

Em relação ao suplente de senador, o jornalista Mauro Santayana, em seu blog na internet, ressaltou tratar-se de um dos equívocos da Constituição brasileira. “No passado, durante a vigência da Constituição de 1946, e mesmo na primeira legislatura depois de 88, muitos dos suplentes eram políticos conhecidos, que tinham vida partidária ativa e eram selecionados nas convenções, juntamente com os aspirantes à posição como titulares. Mas longe estamos de um tempo em que o suplente de senador tinha todas as condições, políticas, intelectuais e quase sempre morais, para substituir o titular. Entre os muitos exemplos, cito um, o de Edgard de Godói da Matta Machado, que foi suplente do senador Itamar Franco”. Santayana queixou-se que ultimamente os suplentes são escolhidos entre financiadores de candidatos principais, como ficou notório no caso do suplente de senador Demóstenes Torres, de Goiás. “Sem um voto, cavalgando na garupa do candidato goiano, o empresário Wilder Morais chegou ao Senado. Como se informou, o ex-marido da atual senhora Carlos Cachoeira financiou a candidatura de Demóstenes Torres com 700.000 reais. Não será exagero afirmar que ele adquiriu a legenda com esse dinheiro e, provavelmente, com mais algum obtido entre seus amigos, amigos muito íntimos, como o próprio Cachoeira”, salientou.

O sistema político de governo no Brasil inspirou-se no modelo norte-americano, que deu à instituição senatorial – originalmente criada em Roma – dupla função: a de câmara legislativa e revisora, no exercício da representação dos entes federados. Partiam da ideia de que a Câmara dos Representantes, na base natural de “one man, one vote” significaria a ditadura dos Estados mais populosos sobre os menos populosos. Era preciso, portanto, criar o Senado, não na base da representação proporcional, mas, sim, paritária, de forma a que os Estados menores moderassem o poder dos mais populosos. Esse, também, foi o entendimento dos constituintes brasileiros de 91. No sistema norte-americano não há suplentes de senadores. No caso da vacância de uma cadeira, cada Estado, com sua autonomia legislativa, atua de forma particular para suprir o mandato. Santayana observa que sem discutir os méritos dos suplentes, o que se deve ter em conta é a legitimidade do mandato. “Ninguém com um só voto, o do candidato a titular, pode decidir em nome do povo de um Estado, mesmo que seja o mais capaz e o mais honrado”.

São recorrentes as propostas para que, em vez do suplente, havendo impedimento do titular, deve assumir o segundo colocado. O problema é que, às vezes, o segundo colocado não é do mesmo partido de origem do titular impedido. A Paraíba viveu um impasse em decorrência das eleições de 2010, quando o candidato mais votado a senador, Cássio Cunha Lima (PSDB), ficou impedido de assumir por onze meses, devido a interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre vigência da Lei Ficha Limpa, que atingiria Cássio, a contar do pleito daquele ano. Nesse ínterim, assumiu o posto o então peemedebista, hoje petebista, Wilson Santiago. Faltando pouco para completar um ano, o Supremo reinterpretou a questão e determinou a investidura de Cássio, que se queixou de ter sido vítima do maior erro judiciário da história do país. Cássio tem como suplentes o seu tio, Ivandro Cunha Lima, e o empresário José Gonzaga Sobrinho, “Deca do Atacadão”. Houve suplentes que corresponderam no exercício titular, como o empresário Roberto Cavalcanti, que sucedeu a José Maranhão quando este renunciou, em fevereiro de 2009, para assumir o governo do Estado, com a cassação de Cássio Cunha Lima. Da mesma forma, o empresário José Carlos da Silva Júnior teve uma atuação razoável quando substituiu, por alguns meses, o ex-senador Ronaldo Cunha Lima. O próprio Ney Suassuna lançou-se na política como candidato a suplente de Antônio Mariz, substituindo-o quando este ganhou o governo do Estado em 94. Ney era conhecido como “trator”, pela capacidade de alocar recursos para o Estado, e foi reeleito no voto, em dobradinha com Maranhão, que concorreu ao governo, em 98. Perdeu em 2006 para Cícero Lucena (PSDB), na esteira de denúncias sobre suposto envolvimento na Operação Sanguessuga. Ney acabou sendo notificado apenas por prevaricação no exercício do mandato e não chegou a ter o mandato cassado, tendo sido penalizado nas urnas.

A proposta da presidente Dilma suscitou outras questões envolvendo, por exemplo, a duração do mandato de senador, que é de oito anos, contra quatro do deputado federal, do governador e do presidente da República. Houve quem propusesse a extinção pura e simples do Senado, como o fez Inaldo Leitão, quando era deputado federal pela Paraíba, investido com licença requerida por Ronaldo Cunha Lima. Inaldo era suplente na Câmara e entendia que o Senado representava um desperdício para o país. Todos os aspectos, positivos e negativos, estão vindo à tona devido ao clamor das ruas por uma reforma política e por reformas urgentes nos serviços públicos, da mobilidade urbana à Educação e à Saúde. Parlamentares paraibanos contatados pela reportagem não acreditam, porém, que sejam adotadas medidas rigorosas contra os titulares de mandato no Senado nem contra a instituição em si, podendo ocorrer, entretanto, a redução do período da legislatura.