Corrupção de cada um

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Nonato Guedes

Na edição especial sobre as raízes da corrupção em todo o mundo, “Caros Amigos” faz uma crítica à corrupção nossa (dos brasileiros) de cada dia, lembrando que apontar deslizes alheios é bem mais fácil do que evitar os próprios. Renato Pompeu, que assina a matéria a respeito, diz que quando acusamos parlamentares de corrupção, nem sempre lembramos que o Congresso é um espelho da sociedade e que todos nós costumamos, em nosso cotidiano, praticar quase sem pensar pequenas ações inadequadas que redundam em maior ou menor prejuízo ao bem comum e que, a rigor, poderiam ser classificadas como atos de corrupção. A reportagem é ilustrada com uma foto do ex-senador Demóstenes Torres (GO), que se dizia arauto anticorrupção por fora, e era totalmente corrompido por dentro.

Pompeu indaga: “Quem, dentre nós, jamais arriscou, por exemplo, uma fezinha no jogo do bicho ou jamais participou de uma rifa não registrada, ou de um poquerzinho inocente, mas nem tanto, pois a dinheiro, tudo isso devidamente proibido a particulares, pois em nossa sociedade os jogos de azar com prêmios em dinheiro, como a MegaSena, são monopólios do Estado?”. E acrescenta: “Para exigir honestidade dos nossos representantes no Legislativo, nem nós, nem os médicos, nem dentistas, engenheiros, arquitetos, advogados, deveríamos perguntar se queremos pagamento com ou sem recibo, isto é, com menor preço conforme se paga o imposto de renda. Agindo assim, criando um caixa dois particular, que moral temos para exigir que todos os eleitos sejam ficha limpa?”.

É uma reflexão que incomoda a muitos de nós, mas Renato Pompeu segue seu raciocínio sem constrangimento: “Até que ponto podemos garantir que nunca ultrapassamos o sinal vermelho, mesmo porque isso é até mesmo recomendado por algumas autoridades, por exemplo, em cruzamentos “arriscados” alta madrugada? E alguém pode afirmar sob juramento, sem incorrer em perjúrio, que nunca ultrapassou a velocidade máxima permitida, sem que o tenha feito por motivos de vida ou morte, o mais das vezes simplesmente por alta recreação? Não deixemos de incluir aqui os ímpetos que sentimos de furar a fila nos bancos, o que efetivamente fazemos às vezes. Também costumamos pedir para o funcionário dar um “jeitinho”, quando há alguma irregularidade em nossos pedidos, em nossas ações ou em nossos documentos. Isso acontece, muito particularmente, em casos de irregularidade no trãnsito, mas especificamente em casos de multas por estacionamento em local proibido”.

– Confessemos – provoca Pompeu – que às vezes até mesmo cogitamos de “molhar a mão” do funcionário para alcançar o chamado “jeitinho”, umidade manual oficialmente proclamada como despesas necessárias para a execução do procedimento em tela. E também quantas vezes não tentamos ultrapassar carros pela sua direita? Nunca pegamos o famoso “trechinho” na contramão para evitar dar uma grande volta “desnecessária”? Não usamos o computador ou mesmo uma simples caneta fornecida pelo nosso empregador para fins particulares durante o expediente? Não levamos essa mesma caneta para casa, como se fosse de nossa propriedade? Não usamos o telefone da empresa ou de algum amigo, conhecido ou parente nosso, para fazer negócios em que ganhamos dinheiro, sem que remuneremos com parte disso quem está pagando a conta do telefone? Nunca, mas nunca mesmo, nos recusamos a pagar a anuidade do túmulo de família que está em nosso nome, sob o pretexto de que quem está enterrado lá não são parentes nossos de sangue e de que os seus parentes de sangue é que deveriam pagar?

O jornalista questiona se o chorinho que pedimos para o garção colocar no nosso copo não é, afinal de contas, uma forma de suborno. Sem contar que o próprio garção só acede ao chorinho porque espera, com isso, receber uma gorjeta mais generosa. Tanto é assim que tanto maior é o chorinho quanto maior seja a intimidade pregressa entre o freguês e o garção. Deveríamos incluir os apelos para que nos seja servida, de graça, a “saideira”. Ele relaciona outros pecadilhos incorporados ao dia a dia de cada brasileiro. E conclui: “Se praticamos a todas essas pequenas irregularidades, como podemos garantir que, se tivermos oportunidade de obter dinheiro grosso, vamos resistir à corrupção? De todo modo, acima de tudo, não devemos ser como Demóstenes Torres”.

Radiografia impecável, com certeza!