A corrução está deixando o Brasil tonto

Gilvan Freire

Depois daquela grande noite, dias atrás, em que o país dormiu de um jeito e acordou diferente, quando todos os poderes da República descobriram que eram incapazes de entender a população em suas carências, e que estavam dormindo em berço esplêndido e só olhavam para o próprio umbigo, ninguém sabe mais para onde vai a marcha do povo, que continua na rua, embora mais disperso, mas sem revelar os limites de sua intolerância e revolta.

Os tradicionais movimentos sociais, que encontraram em Lula um porto seguro para suas reivindicações e demandas, se acomodaram e consolidaram o cordão do puxa-saquismo, da pelegagem e da adoração política, e ficaram iguais aos governos em suas inoperâncias. Como os gatos à noite, todos ficaram pardos. Pior: roubaram os manuais da roubalheira que engole o sangue dos pobres do país há séculos e, cúmplices dos setores políticos mais conservadores, meteram a mão nos cofres públicos ou toleraram que os gatunos de sempre continuassem o fazendo.

O resultado esta ai: alguns movimentos querem recobrar o tempo perdido e estão indo também às ruas para ocupar os espaços tomados pelos jovens, que tiveram senso de oportunidade e capacidade de organização para fazer uma revolução no serviço público e na vida política da nação, sem radicalismo e sem violência, aproveitando para plantar culturalmente uma semente de paz que termina por desmoralizar mais ainda essas organizações que se achavam donas das avenidas e das praças públicas.

Agora, contudo, estabeleceu-se a confusão, pois as antigas organizações da sociedade estão tontas e falidas, e os poderes públicos estão nos extertores, só tentando, através de disfarces, salvar a pele de seus ocupantes incapacitados para compreender uma sociedade frustrada pelos maus resultados da gestão pública combalida.

A questão central continua sendo a corrupção, a grosa grossa que desbasta o patrimônio público sem piedade, mas a elite dirigente finge que os problemas grandes são outros, só porque é dessa corrupção que se alimentam os manda-chuvas do Brasil, políticos, gestores e suas vigas de sustentação dentro dos outros poderes e instituições. Dilma e seus asseclas estão com cara de pânico diante das revoltas que explodem em todo lugar, mas não atacam o monstro Robin Hood inverso que tira da boca dos miseráveis para sustentar o apetite dos detentores do poder apodrecido.

Essas reformas propostas de afogadilho e no desespero de sobrevivência dos poderosos aflitos são um samba de crioulo doido. Não servirão para espantar os fantasmas que rondam os governos e os projetos políticos e partidários de continuísmo e usurpação. Mas, agora, com certeza, os que vão dançar são outros, e não o espoliado povo brasileiro. Só por isso, o samba já vale a pena.