Igreja e protestos

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Nonato Guedes

Comentei neste espaço a situação da UNE, que está deslocada dos movimentos de protesto desencadeados no país e busca, sofregamente, retomar um protagonismo que já não lhe pertence mais, com exclusividade. Reporto-me, agora, à posição da Igreja Católica, mais precisamente da CNBB, que no movimento militar de 64 oscilou entre o apoio ao golpe, contra a suposta ameaça comunista, e o repúdio à ditadura consumada, refletida nas prisões ilegais, nas torturas e em outras atrocidades. Mesmo nesse momento de reação à violência do aparelho estatal, o clero dividiu-se entre progressistas e conservadores. Tínhamos, ao lado do povo, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Helder Câmara, Dom José Maria Pires, Dom Fragoso e outros religiosos, que montaram uma barricada para conter alinhamento com a opressão que estava estampada.

Na conjuntura atual, expoentes da CNBB colocam-se a favor dos jovens, numa preparação para a Jornada Mundial que será aberta pelo Papa Francisco no Rio de Janeiro. Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, depois de constatar que o “gigante” acordou, indaga: “O que querem os manifestantes?”. A seu ver, o aumento das passagens do transporte coletivo urbano foi apenas a gota d´agua que fez transbordar a medida, que já andava cheia, mas não se percebia, nem se queria levar a sério o grau de insatisfação da Nação verde-amarela. “O povo, sobretudo os jovens, cansou-se de ouvir falar em corrupção, impunidade, falta de reforma política. Povo que continua pobre na quinta economia do mundo…Quem disse que os jovens só querem navegar na “rede” e trocar mensagens cifradas, mantendo-se alienados da realidade que os cerca, estava bem equivocado. De um momento a outro, a indignação explodiu e se derramou ruidosa pelas ruas”, escreveu Dom Odilo no site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Ele não deixa de registrar que no cortejo das manifestações pacíficas também apareceram os oportunistas “nada pacíficos” e pouco interessados em protestar, mas em extravasar em violência ou em promover atos de vandalismo e depredação do patrimônio público e privado. “Lamentavelmente, além dos danos materiais causados, esses anti-sociais também roubam a cena e ameaçam o caráter cívico das manifestações. Felizmente, houve uma clara repulsa desses atos por conta dos manifestantes”, analisa o arcebispo. Lembrando que o fenômeno estendeu-se a todo o Brasil e que decorreu não apenas do poder convocatório e contagiante das mídias sociais, mas pela vontade de mudar o país para melhor, a autoridade religiosa insiste na pergunta sobre o que deve ser feito.

– Ainda não se sabe bem como. Não se quis dar conotação partidária às manifestações, nem cunho institucional, mas estritamente popular: as massas querem falar; povo não identificável com partidos, ideologias, siglas e bandeiras, que acredita ser possível melhorar o Brasil, mas não se sente identificado com o andar das coisas nem com discursos e estatísticas oficiais. Como vão conseguir isso? Ainda não se vê claro. O certo é que o Brasil “real” está mostrando insatisfação com o Brasil “institucional”. Susto para os políticos! Barbas de molho para os que ainda achavam que o Gigante está deitado eternamente em berço esplêndido! Erro de cálculo para quem acha que estádios caros e suntuosos para a Copa do Mundo são a melhor política, porque enchem o povo de ufanismo campeão do mundo! O povo está cobrando um Brasil mais sério e justo para todos. Futebol, carnaval e internet já não bastam. Os jovens torcem por um presente de grandeza real para a pátria amada idolatrada. Que sejam ouvidos! – aconselha Dom Odilo.

É uma manifestação válida, pelo peso que instituições como a CNBB tem no cenário social e institucional brasileiro e levando-se em conta que, de algum modo, a Igreja parecia emudecida, indiferente à voz rouca das ruas, voltada para si mesmo, numa prática egoísta que não combina com os ideais de comunhão preconizados no púlpito. Não se está querendo que a Igreja vá para as ruas. O espaço das ruas já tem donos demais nessa cruzada fascinante que colheu de surpresa grande parte da sociedade. As pessoas do bem são acolhidas, naturalmente, independente de posições que exerçam. Mas os reflexos já estão sendo produzidos com certa rapidez. O Brasil nunca mais será o mesmo depois dessa Primavera de 2013.