foto

Nonato Guedes

Não deixa de ser preocupante para a presidente Dilma Rousseff o coro de vaias ensaiado no Estádio Mane Garrincha, em Brasília, quando da abertura da Copa das Confederações, em que a Seleção pilotada por Felipão triunfou. Independente de orquestrações políticas de adversários, a vaia é um sintoma de inconformismo, de insatisfação diante de uma situação que não está indo bem ou correspondendo a expectativas. Políticos que estão no poder somatizam, naturalmente, a hostilidade, porque são treinados para o aplauso, ainda que, às vezes, isto parta de claques adrede organizadas ou assaz instruídas. No episódio que desconcertou a presidente, a interpretação corrente foi a de que se tratou de um protesto contra a escalada inflacionária, o dragão que é um fantasma recorrente na cena histórica brasileira.

Há uma exegese paralela, que consiste em atribuir temeridade à exposição pública de personagens que não estão bem no conceito da opinião pública. Dilma pagou para ver e saiu-se mal. Exatamente porque não está em lua de mel com segmentos da sociedade. E não cabe engendrar teorias conspiratórias para explicar os apupos. Aliás, há uma premissa incorporada ao folclore brasileiro de que em estádios como o Maracanã, no Rio, vaia-se até minuto de silêncio. Foi uma descortesia? Com certeza! O presidente da Fifa, Joseph Blatter, ao mesmo tempo em que pedia respeito à mandatária brasileira, açulava a platéia para agir com fair-play. Outro erro de cálculo. Não havia espaço para o jogo alegre, senão no gramado do Mané Garrincha, onde o Brasil deu show de bola contra o Japão. A presidente foi comedida, intimidada pela reação explosiva. Apenas declarou aberta a Copa das Confederações. Vá lá que o torcedor que comprou ingresso queria jogo, mas uma vaia não ocorre incidentalmente. O protesto contra o que “está aí” foi a válvula de escape do cidadão brasileiro tungado nas suas parcas economias.

Não há, ao que se saiba, nada de podre no reino da Dinamarca. Há descontentamento porque, devido a descuido, falta de planejamento ou reflexo da conjuntura mundial, a estabilidade econômica foi duramente afetada. É normal que o bolso pese nas avaliações conjunturais e nas manifestações episódicas. A cerimônia de abertura de um evento esportivo não permitiria que Dilma, ou qualquer presidente ou presidenta, nessas condições de temperatura e pressão, tentasse explicar didaticamente o que está provocando esse solavanco na economia. Seria pior, e ela teve a acuidade de não se submeter a tanto. Mas subestimou-se, no círculo do Palácio do Planalto, o indicativo de pesquisas de institutos credenciados apontando uma queda na popularidade de Dilma. Ela teria que falar, é óbvio, nem que fosse para dizer “boa tarde a todos e todas”. A predisposição para a reação a qualquer coisa que falasse, já havia se cristalizado no inconsciente coletivo.

A oposição, é claro, tentou faturar em cima da desgraça alheia. No Rio, o ex-prefeito César Maia foi à forra. Acusado de orquestrar uma vaia a Lula em período recente, utilizou-se do Twitter para avisar que não estava em Brasília, mas acompanhou, em casa, o espetáculo da insatisfação ensandecida. Maia é um criador de factóides, mas vale a pena considerar sua observação ressentida. No que diz respeito à presidente Dilma, soou a campainha do alarme. A manifestação estrondosa tem o caráter pedagógico de fazê-la reavaliar posturas do governo e buscar governar para setores que se julgam excluídos do pacote de bondades frequentemente publicizado. Pode ir mais além, se quiser, e enveredar por análises sociológicas. A sociedade, como disse em rede social uma jovem não engajada política ou partidariamente, acordou. Ou, para lembrar o mestre Severino Ramos, o “dedo de Deus” entrou em cena, suplantando a mão pesada do Estado a que aludiu, em momento irrefletido, um ministro do governo petista. Todo o cenário foi ruim para Dilma diante da sua ofensiva antecipando a campanha pela sua própria sucessão. Se a cena se repetir, em outros ambientes, ela estará inelegível. Por dificuldade de angariar votos para voltar ao Planalto.

Não, ninguém morre de amores por Aécio Neves ou Eduardo Campos. A Marina Silva ainda tem uma reserva eleitoral, que pode ficar no patamar alcançado em 2010, evoluir ou decrescer. O jogo sucessório está aberto, esta é a verdade consumada. Dilma tem chances de reverter a onda, ou o tsunami que se espraia. Mas precisa apresentar resultados concretos, saindo do terreno da retórica, que não comove ninguém. Se a leitura correta de episódios como o de Brasília não for feita, ela estará abrindo a guarda para que a oposição descubra o discurso que até então lhe faltava. E tem mais: Dilma não pode estar, o tempo todo, se socorrendo de Lula. Ela já não é mais o poste. Em tese, bem entendido! Se a situação piorar, chama o Lula para o páreo.