A prata da casa brilhou mais

Rubens Nóbrega

Não tenho como resistir nem evitar o clichê de comparar a uma partida de futebol o debate promovido ontem em João Pessoa, por este Jornal da Paraíba, sobre Liberdade de Imprensa e de Expressão. Não resisto nem evito a velha analogia porque fui ao Fórum Cível da Capital na expectativa de um desempenho excepcional do Neymar do time de expositores, que seria Eugênio Bucci. Mas, na avaliação deste torcedor, quem deu show de bola mesmo foi a nossa Joana Belarmino.

Não que o jornalista nacionalmente consagrado e respeitado Professor da Universidade de São Paulo (USP) tenha se saído mal. Muito pelo contrário. Craque é craque e aconteceu com ele o que vem acontecendo há algum tempo com Neymar e similares. Refiro-me àquelas situações nas quais o craque passa a maior do tempo ‘apagado’ dentro de campo, mas de repente comete um lance genial que faz a gente esquecer ou relevar o restante de sua atuação.

E foi o que Bucci fez ao defender que o jornalista, na sua essência um questionador, deva ser por excelência um provocador. No seu dizer mais impactante, jornalista que é jornalista tem que rezar a Oração de São Francisco de ponta-cabeça. “Onde houver a fé, que eu leve a dúvida; onde houver a união, que eu leve a discórdia”, orou o palestrante mais aguardado da partida, quer dizer, do evento.

Evento que me renovou a fé nos melhores valores da profissão e a esperança de um dia ver a minha categoria toda ela unida em torno desses mesmos valores, além de depurada dos canalhas, pilantras e bilontras que não têm compromisso algum com liberdade de expressão ou de imprensa. Esses pernas e caras de pau são poucos, felizmente, mas o mal e o barulho que fazem impressionam ao ponto de muitos acreditarem que eles são a maioria ou os melhores.

‘Cobertura homogênea’

Ainda bem que a Professora Joana Belarmino, a prata da casa mais brilhante que a gente poderia exibir, estava lá para me reforçar a crença na liberdade de expressão como valor supremo e ao mesmo tempo basilar da democracia. Ela acertou na mosca e no alvo do conceito (“informação é um direito, comunicação é um bem público”) e mexeu na ferida do preconceito com que por vezes fazemos imprensa e jornalismo.

Nesse ponto, para ilustrar, referiu-se à ‘cobertura homogênea’ que os grandes veículos vêm fazendo dos protestos em Rio e São Paulo contra os aumentos das passagens de ônibus. Essa cobertura, disse, dá voz quase sempre ou unicamente às autoridades e ao poder econômico. Nessa mesma linha, lembrou Joana, a grande mídia nacional reforça o processo de criminalização dos movimentos sociais, como o faz mais exemplarmente com o MST. Tal e qual a grande mídia ocidental, liderada pela Europa e pelos Estados Unidos, faz com as nações do Oriente. Se essas nações fogem ao controle das grandes potências, sublinhou, são tratadas como terroristas. Quando não invadidas, complementaria este colunista.

A Professora argumentou ainda que a exclusão ou demonização de outras culturas (negros, indígenas, povos não cristãos etc.) pela mídia brasileira e ocidental é também uma grande ameaça à liberdade de expressão que precisa a todo tempo ser lembrada e combatida. Tanto no meio profissional como na Academia, de onde sai a força de trabalho mais qualificada para o fazer jornalístico.

‘Um ano catastrófico”

Assim definiu 1912 o segundo expositor do debate, o empresário Carlos Fernando Neto, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), referindo-se às agressões de toda sorte e ordem, assassinatos e processos judiciais de que foram vítimas jornalistas em todo o Brasil, ano passado.

A propósito da judicialização do exercício profissional do jornalista, principalmente o de criticar e noticiar os malfeitos e mazelas do poder público em geral e de governantes em particular, ele citou o caso emblemático do jornal O Estado de São Paulo, proibido por um desembargador de revelar detalhes da Operação Boi Barrica, da PF, sobre o envolvimento de Fernando Sarney, filho do senador José Sarney, em supostos ilícitos.

Contou ainda que nos últimos cinco anos o jornal Folha de S. Paulo e a jornalista Elvira Lobatto enfrentaram, juntos, mais de 47 ações na Justiça movidas por bispos da Igreja Universal do Reino de Deus em todo o país. Essa maratona, que chamou de ‘assédio jurídico’, parafraseando o ministro Ayres Britto, aconteceu depois que a Folha publicou reportagem de Elvira sobre o extraordinário crescimento patrimonial da Universal e do líder dessa Igreja, Edir Macedo.

Outro ponto alto do debate foi a participação do senador Vital Filho, para quem liberdade de expressão é ferramenta fundamental de controle das arbitrariedades do poder público. Mais do que isso, um dever conferido à imprensa pela própria Constituição de 88. “A Constituição deu à imprensa o papel de guardiã das liberdades políticas, públicas”, disse, assinalando que na gênese dessa atribuição estariam a visão e a sabedoria de Ruy Barbosa quando disse, há cem anos, que “a palavra é um instrumento irresistível da liberdade”.

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