Nonato Guedes
Na página de opinião da “Folha de São Paulo”, Rogério Gentile analisa o estilo da presidente Dilma Rousseff, passados dois anos e meio de sua investidura. Para Gentile, a presidente ainda governa o Brasil como se fosse ministra-chefe da Casa Civil. Gasta mais tempo com os detalhes da administração do que com os rumos do país. Privilegia a tecnocracia em detrimento da articulação política. E em vez de estimular a criatividade, mete broncas nos auxiliares. Esse é o seu método de trabalho, que já ficou conhecido nos bastidores por ‘sessão de espancamento de resultados’, uma comparação de mau gosto se lembrarmos que Dilma sofreu torturas e espancamento físico nos porões da ditadura militar.
A palavra ainda é de Rogério: “Dilma não é uma presidente formuladora, como foi Fernando Henrique Cardoso. Tampouco tem a intuição e a sensibilidade de Lula ou mesmo a sua capacidade de enfrentar situações difíceis, inclusive na economia, na base do gogó. A presidente também tem grande dificuldade para escolher auxiliares. FHC tinha Malan, Serra, Armínio Fraga e Pedro Parente. Lula tinha Dirceu, Palocci, Thomaz Bastos, Henrique Meirelles e a própria Dilma. Pode-se gostar ou não de cada um deles, mas é inegável que compunham núcleos consistentes e capacitados de governo. Não è a toa que FHC e Lula tornaram-se dois dos mais importantes presidentes da história do Brasil. Dilma trabalha praticamente sozinha”.
O comentarista cita reportagem publicada pela “Folha” na semana passada como emblemática do jeito Dilma de governar. Por não tolerar turbulências em seus deslocamentos aéreos, a presidente verifica pessoalmente o plano de voo do avião presidencial, aprendeu a ler os dados do painel da cabine do piloto e até modifica as rotas oficiais. “A presidente-gerente, como seus aliados costumam dizer, de fato toca o governo como quem supervisiona o embarque de um avião. Auxilia os passageiros, agiliza as filas, arruma a gola do piloto, reclama do penteado das aeromoças, observa se as malas estão devidamente etiquetadas e manda limpar de novo o banheiro dos aviões. Se o país estivesse voando em céu de brigadeiro, seu estilo centralizador, detalhista e reclamão seria apenas folclórico. Em tempos de crescimento econômico baixo e de inflação batendo novamente à porta, é motivo para preocupação”.
Discordo de alguns pontos enfocados por Rogério Gentile na sua análise sobre o estilo da presidente. Em primeiro lugar, ele desconhece que cada governante tem seu estilo. Não é correto que a presidente Dilma não seja formuladora de propostas. Ela é muitíssimo preparada, isto sim. O PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, nasceu de uma ideia sua, e coube a ela coordenar os passos iniciais desse empreendimento, a ponto de ser chamada por Lula de “Mãe do PAC” como estratégia de sensibilização do eleitorado. Intuição e sensibilidade, pelo amor de Deus, a Dilma tem de sobra. Capacidade de enfrentar situações difíceis, idem. O estilo Lula de “levar no gogó” sempre foi, na verdade, um reconhecimento da improvisação. Nesse aspecto, Dilma é diametralmente oposta. Ela é racional. Opera na base do planejamento. Avalia custos e benefícios.
A dificuldade de escolher auxiliares deveu-se ao fato de que Dilma foi herdeira de uma situação já traçada por Lula, envolvendo composições as mais distintas. O que ela teve foi a coragem de demitir quem estava cometendo malfeitos, para usar uma expressão sua. Diferentemente de Lula, que tinha por hábito “passar a mão” na cabeça de auxiliares pilhados em traquinagens que resultavam em prejuízos ao erário público. Foi por causa desse seu estilo leniente que o ex-presidente Lula pagou um alto preço, refletido no estigma do mensalão. Não pagou nas urnas, não é a isto que me refiro. Mas lembro, com muita clareza, do seu desabafo de que se sentiu apunhalado pelas costas por antigos companheiros de partido. Dilma mostra que tem compromisso com sua biografia, e com a responsabilidade de ser a primeira mulher a governar este país.
De resto, vá lá que ela devesse dispensar o detalhismo, que remete às coisas miúdas e faz com que desvie a atenção dos problemas macro, por assim dizer. Mas isto é da índole dela e não afeta os grandes desafios que tem que encarar simultaneamente. No que tange à articulação política com o Congresso, ela joga duro mesmo. E tem que jogar, pelo que se conhece de chantagens que são praticadas por parlamentares para votar matérias a favor do governo. O comentarista dá a entender que ela governa o Brasil como quem monitora um avião. Só lembrando: o Brasil é um imenso Boeing. E Dilma tem que estar atenta aos mínimos detalhes para que o voo dê certo!