Talhado para ser ministro

Nonato Guedes

Quando o advogado Luís Roberto Barroso teve seu nome indicado pela presidente Dilma Rousseff para ministro do Supremo Tribunal Federal, na vaga de Carlos Ayres de Britto, o país foi apresentado àquela figura que tanto inspirou votos de integrantes da Corte Maior em questões polêmicas, como a união estável civil homoafetiva, as pesquisas com células-tronco e o aborto de fetos anencéfalos. Ora, se Barroso era um doutrinador preferido por integrantes da atual composição do Supremo, que fosse chamado, então, para ter assento na vetusta Casa do Direito e da Lei. Atuando com seus novos pares, ele tem a oportunidade de firmar jurisprudências que tornem mais rápidas as sentenças exaradas pelo Supremo de agora por diante.

Na sabatina de cerca de oito horas a que foi submetido no Senado, o candidato a ministro pôde demonstrar porque estava talhado para ser ministro do STF. Foi seguro e límpido nas respostas a indagações que lhes formularam. Comentando a defesa que fez do ativista Césare Battisti, opondo-se ao pedido de sua extradição para julgamento na Itália por supostos delitos, lembrou que, na época, foi enxovalhado por causa do ponto de vista que sustentou, mas não se arrepende do que fez. Repetiria o mesmo procedimento se a questão viesse à tona. “Ninguém me pauta: nem governo, nem imprensa, ninguém…”, deixou claro quando abordado sobre possíveis influências que poderia sofrer na apreciação de processos levados à instância superior. E falou isto sem empáfia. Com serenidade e firmeza, apenas assim.

Barroso conseguiu ofuscar a unanimidade que vinha se formando em torno da imagem do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça, que por sua postura no julgamento do mensalão foi cogitado até como candidato a presidente da República. O advogado José Afonso da Silva, que é detentor da Medalha Rui Barbosa, conferida pela OAB, ficou extasiado com as intervenções de Barroso em temas complexos. “Há mais de século não havia uma indicação tão festejada como a dele, por setores jurídicos e sociais. É um nome que engrandece a classe dos advogados”, comemorou José Afonso, aludindo ao que denominou de sólida estrutura mental ou intelectual do novo ministro e também reportando-se à forma clara e precisa com que Barroso se portou na sabatina exaustiva porque passou.

Um dos pontos interessantes da alocução de Barroso foi a sua advertência sobre o perigo de glorificação da ditadura da maioria, comparando que a maioria de hoje tenta tolher as ações das maiorias de amanhã e pontuando que as minorias ainda são desprotegidas e só encontram eco nas ruas e na Justiça para fazer valer a outorga ou reparação de direitos que têm sido sonegados. No seu entendimento lúcido, é preciso haver parcimônia na exegese e na aplicação das chamadas cláusulas pétreas, equivale dizer, cláusulas intocáveis, porque pode ocorrer de algumas dessas cláusulas estarem dissociadas do direito legítimo, irretorquível. Sobre a interferência do Judiciário no Legislativo, opinou que aquele só deve agir quando este se omite, o que é uma profissão de fé no exercício pleno da democracia, em especial quanto ao pressuposto da autonomia dos poderes.

O país quedou-se, encantado, à grata revelação que atende pelo nome de Luís Roberto Barroso, um profissional do Direito e um legalista convicto, que se manifesta de preferência de acordo com a sua consciência, na interpretação técnica que faz dos fatos vinculados à realidade conjuntural do país. Trata-se não só de um estudioso, mas de um conhecedor das mazelas brasileiras. O Direito Penal, conforme ele, é o segmento que reclama maior arrumação, o que é uma verdade incontestável diante do que se vê nos presídios superlotados, na manutenção de presos que já cumpriram penas e nem por isso foram soltos porque a Justiça não falha mas costuma tardar neste país. Ainda por cima, coroando o show que foi a sua sabatina, deixou patente que se abstém de comentar fatos sobre os quais possa ter que vir a emitir parecer no âmbito do Supremo. Uma postura ética, sob todos os pontos de vista.

Enfim, a polêmica sobre a liberdade de expressão. O que pensa o novo ministro? Ele respondeu de bate-pronto: “Sou de uma geração que sofreu com a falta dessas liberdades, e minha tendência é defendê-las de forma mais ampla e profunda possível. Garantir ao máximo a pluralidade é o ideal, assegurado, naturalmente, o direito de resposta, que é corolário do processo democrático”. Se restava alguma dúvida sobre o perfil do ministro Barroso, ela se desfez. Ele estava realmente talhado para ascender ao cargo para o qual foi escolhido. Ganha a Justiça. Ganha, sobretudo, a sociedade.