São João livre para todos

Rubens Nóbrega

Felizmente prevaleceu o bom senso e se desfez ontem, antes de tomar maior vulto, a confusão em torno da venda de ingressos para shows no Parque do Povo durante o Maior São do Mundo, em Campina Grande.

Esses ingressos seriam adquiridos por patrocinadores da festa que ocupariam um lugar privilegiado bem na frente do palco principal, ou seja, uma área vip que os organizadores de espetáculos chamam de ‘front stage’.

A pretensa novidade causou forte reação negativa de pessoas e segmentos diversos dentro e fora de Campina, transformando-se ligeirinho em mais um mote para a disputa política que sobe e desce a Serra todo santo dia.

Tanto que a oposição caiu de pau, chegou a soltar fogos diante da possível derrapada do governo local, parte da imprensa noticiou a coisa como fato consumado e aí… E aí que o prefeito Romero Rodrigues acusou o golpe e logo tratou de revogar a medida, segundo vi em tuitadas de acreditadas personalidades campinenses.

Uma delas, o ex-deputado Gilbran Asfora, secretário de Articulação Política (se não me engano) do governo municipal. A outra, o diligente e competente Promotor de Justiça Herbert Targino, que deve ter questionado o prefeito sobre a ‘inovação’.

Por seu turno, em contato com o colunista o vice-prefeito Ronaldo Filho, também coordenador do evento, explicou que não havia sequer exclusividade de acesso à área reservada aos patrocinadores.

Seria apenas uma forma de organizar espaço e fluxo perto do palco, mas tal demarcação de forma alguma prejudicaria visão ou proximidade de quem fosse ao Parque do Povo assistir às atrações mais concorridas do São João deste ano.

“É um pedaço minúsculo que havíamos reservado. Não prejudicaria de forma alguma as mais de 40 mil pessoas que devem assistir aos grandes shows sem pagar um níquel sequer, pois não houve nem haverá cobrança de ingresso”, garantiu.

De qualquer forma e sorte, vamos aguardar o apurado ou o rescaldo da abertura do Maior São João do Mundo, programada para ontem à noite. Depois disso, será possível avaliar fundamentadamente se houve de fato ou não, se funcionou ou não o tal esquema.
Digo assim porque também vi no twitter fotos de ingressos vendidos para a área chique. Se não forem falsos os bilhetes, imagino que seus compradores fizeram por onde valer o direito de ficar bem na frente do palco durante a apresentação do seu artista preferido.
Prefeito ‘terceirizador’

Sempre tive Romero Rodrigues em boa conta. Antes de ele ser prefeito de Campina Grande, um amigo comum, por quem tenho o maior respeito e no maior crédito, já me dava as melhores referências do então deputado.
“Não é como outros políticos que temos por aí. Romero é um cara sério, sério de verdade, porque não faz gênero, ou seja, não faz o tipo sério para impressionar, principalmente eleitor”, disse-me o nosso amigo. Se ele diz é porque sabe. Morou a vida toda em Campina e conhece como poucos a gente de lá, começando pelos caciques.
Mas a imagem que eu tinha do alcaide da Vila Nova da Rainha levou uma queda danada e quase trincou irremediavelmente depois que li que o homem emplacara uma lei para terceirizar quase tudo quanto é atividade e serviço de uma Prefeitura.
Na Câmara dos Vereadores, onde tem maioria, Romero conseguiu aprovar e chegou a sancionar a Lei nº 5.277/2013, que criava o Programa de Gestão Pactuada no governo municipal em nada menos que as seguintes áreas:
– saúde, educação, cultura, trabalho, cidadania, urbanismo, habitação, saneamento, gestão ambiental, ciência e tecnologia, agricultura e organização agrária, indústria e comércio, comunicações e transportes, desporto e lazer e previdência.
Quando soube disso, achei tão estapafúrdia a medida que pensei e me peguei perguntando: “Por que não terceiriza logo tudo de uma vez, aí incluído o cargo de prefeito?”.

 

Voltou atrás, mas…

Felizmente, mas nem tanto, dois dias depois Romero voltaria atrás, mandando novo projeto de lei à Câmara excluindo 14 áreas da ‘gestão pactuada’. Ficou apenas a saúde, filé e mina das chamadas OSS (organizações sociais de saúde).
Lamento muito. No meu conceito, gestão pactuada é disfarce de terceirização e meio de entregar obrigações e iniciativas do poder público a grupos privados travestidos de organizações sociais.
O ‘pacto’ não é mais do que um modo legalmente coberto e moralmente desnudo de ganhar dinheiro, muito dinheiro, sob o escudo de aparente resolutividade e eficiência na prestação do serviço público, principalmente na área de saúde.
Digo aparente porque a terceirização sob a máscara da pactuação não raro precariza relações de trabalho com profissionais da saúde e maximiza lucros mediante custeio mínimo pela compra de materiais e serviços os mais baratos ou de quinta.
Na Paraíba, o exemplo mais notório e mais lucrativo de ‘gestão pactuada’ foi inaugurado no Hospital de Trauma da Capital em 2011, após o advento da entronização de Ricardo Coutinho no poder supremo do Estado.