Jornalistas na mira

Nonato Guedes

O jornalismo é, literalmente, cada vez mais, uma atividade de risco. No Brasil, são inúmeros os relatos de ameaças, agressões e assassinatos de profissionais da imprensa que ousam contrariar interesses. Em todo o mundo, o cenário é mais estarrecedor, por causa de guerras ou conflitos de diversos tipos que os repórteres têm que acompanhar e acabam ficando na linha de tiro. Uma experiência lancinante é a de repórteres que cobrem cartéis do tráfico no México e tiveram que recorrer a colegas colombianos para formar redes e se manterem vivos. O relato dessa perigosa aventura foi feito por Judith Matloff, em matéria publicada na revista de jornalismo da ESPM, de São Paulo.

“Os 20 jornalistas mexicanos tinham voado até a fronteira da Guatemala para discutir como cobrir as atividades do tráfico de drogas e permanecer vivos, e ouviram atentamente os palestrantes, um após o outro. Quase todo mundo, na conferência, tanto do México como de outros países, já tinha perdido um colega ou recebido uma ameaça de morte de gangues de traficantes que têm a imprensa como alvo. Eles estavam ansiosos por dicas de sobrevivência”, descreve Judith. Um “geek” de computação falou sobre encriptação de dados. Veio em seguida uma palestra sobre como esquivar-se de agressores. A conversa continuou, abordando o tema de como agir quando o repórter na mesa ao lado trabalha para bandidos.

Ginna Morelo então se levantou, e a sala ficou em silêncio. A pequena mas resistente repórter de “El Meridiano de Córdoba”, da Colômbia, contou como jornalistas de seu país tinham enfrentado a violência relacionada ao tráfico de drogas duas décadas antes. Os colegas formaram uma rede nacional que, com o tempo, conseguiu proteção do Estado para a imprensa. Concorrentes colaboraram em investigações, coordenaram publicações e até encenaram um blecaute de notícias para protestar contra um assassinato. Eles convenceram as autoridades a lhes fornecer guarda-costas. “Eu não conseguia mais ficar calada”, ela comentou, a propósito da decisão, tomada havia seis anos, de fundar com amigos uma rede investigativa que agora se espalhava pelo país. A organização hoje tem 87 membros ativos e uma lista de seis mil e-mails. Os repórteres do grupo trabalham juntos em histórias que seriam perigosas demais ou difíceis de apurar por uma pessoa só. “O que começou com dois jornalistas sediados em Bogotá foi aumentando até se tornar um movimento nacional”, disse Ginna, completando: “Esqueça a exclusividade”.

O México é um dos locais mais perigosos para a prática do jornalismo devido à impunidade dos cartéis de drogas. Mais de 80 jornalistas foram asssassinados e 16 sequestrados num espaço de doze anos porque escreveram sobre as atividades de gangues em guerra. Muitos repórteres se tornaram clandestinos e outros tantos foram silenciados pelo medo. Segundo dados divulgados em Genebra no início de abril pela Campanha Emblema de Imprensa, no primeiro trimestre de 2013 mais um jornalista mexicano foi assassinado. Foi em meio ao desespero por ajuda que uma rede informal de jornalistas mexicanos recorreu a colegas colombianos, em busca de manuais de sobrevivência. Nos últimos dois anos, especialistas tarimbados como Ginna Morelo se dirigiram ao México para se encontrar com repórteres por todo o país. O idioma comum facilita a comunicação, assim como a compreensão do que é lidar com o mundo sombrio das gangues de traficantes.

Diferentemente da Colômbia, os gigantes da mídia mexicana parecem não ter interesse em um lobby de proteção em grupo, segundo o Center for International Media Assistance, organização sediada em Washington, nos Estados Unidos, que apóia e defende o desenvolvimento da mídia independente em todo o mundo. Isso deixa os repórteres do interior em um limbo de segurança sem nenhum defensor forte com assento no governo. Já a influente mídia nacional de Bogotá uniu forças com a elite política, que de maneira similar tinha sido alvo do cartel de Medellín. No México, os salários são baixos e os empregos tão escassos que os repórteres geralmente têm medo de lutar pelos seus direitos.

Por outro lado, a selva em que se transformou a cobertura jornalística sobre fatos violentos espalha o pânico, a insegurança generalizada. Em julho de 2012 o jornal “El Mañana” anunciou que pararia de cobrir disputas violentas entre grupos rivais depois do segundo ataque com granada que atingiu seus escritórios em dois meses. Os moradores da cidade se valem do Facebook para saber a respeito de tiroteios, que geralmente são mencionados sob o eufemismo “festas”. A decisão de Ginna Morelo de quebrar o silêncio realmente impressionou editores de publicações. Alguns deles decidiram resistir. Porque é preciso!