Marina, uma incógnita

Nonato Guedes

A ex-senadora Marina Silva ainda continua sendo uma alternativa para fatias do eleitorado que não digerem a polarização entre PT e PSDB em torno do Palácio do Planalto. Em 2010, a ex-seringalista demonstrou que tinha poder de aglutinação eleitoral, recorrendo a um discurso que pregava a defesa intransigente da ética na política. O problema de Marina é que ela se perde nas próprias contradições da biografia. A revista “IstoÉ” ressalta que ela deixa escapar novamente uma face conservadora que já havia atrapalhado a campanha presidencial anterior. A reportagem chega a defini-la como sonhadora e reacionária.

A porção reacionária de Marina teria se manifestado num debate na Universidade Católica de Pernambuco. Evangélica, ela defendeu com vigor seu compromisso com o Estado laico e surpreendeu a maioria quando se disse incomodada com a recente onda de protestos contra o deputado Marco Feliciano, também evangélico, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, onde tem protagonizado declarações homofóbicas e racistas. O argumento pueril de Marina foi o de que Feliciano havia sido atacado pelo simples fato de ser evangélico e não por eventuais posições políticas equivocadas. “A gente acaba combatendo um preconceito com outro”, entoou Marina, que alcançou 20 milhões de votos na disputa passada e atritou-se com o Partido Verde, do qual migrou para fundar a Rede Sustentabilidade, algo indefinido mas que, com certeza, tem conotação partidária.

Garante a revista que a explicação para a defesa pública de Feliciano não se justifica exclusivamente por questões religiosas. Desde 2007, Marina se aproximou do empresário Ricardo Young, dono da rede Yázigi, uma das maiores franquias de inglês do mundo. Young é vereador eleito pelo PPS e amigo de outro empresário com pretensões políticas, Steven Eriksen Binnie, o Estevão, natural de Orlândia, homem de confiança do pastor Feliciano e um dos seus principais apoiadores financeiros. Estevão foi diretor-geral do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, fundado por Catherine Young, mãe de Ricardo. Em 2010 ele tentou, sem êxito, chegar à Assembléia Legislativa com o PPS. Conseguiu pouco mais de 38 mil votos. À Justiça Eleitoral, declarou um patrimônio de R$ 22,8 milhões.

Ninguém, em princípio, tem nada a ver com as relações que Marina cultiva, desde que elas não entrem em choque com as posições públicas que a militante política preconiza. O problema é que se descobre que tais relações estão interferindo, sim, no ideário que a ex-senadora jura defender. Comprometem a sua credibilidade, a pureza das propostas que confusamente tem empunhado. “IstoÉ” chega a perguntar qual é a verdadeira Marina da Silva, aludindo à dubiedade do discurso da ex-ministra, que, aliás, participou do governo de Lula e dele saiu por divergências com relação à política ambiental, conforme deu a entender na justificativa para o gesto. Como se viu, o ato terminou empurrando-a para a disputa presidencial, em cuja reta final temas como aborto e união homoafetiva impulsionaram seguramente a sua candidatura, dando-lhe votação acachapante para uma estreante no universo nacional.

Os dois extremos de Marina, por enquanto, são medidos na comparação de frases sobre assuntos polêmicos. Enquadra-se, teoricamente, no perfil progressista quando afirma que está propondo a sustentabilidade social, ambiental, cultural, política e ética, para que se possa produzir a economia do século moderno. Ou quando revelou que a ética na política é uma condição que deveria ser a condição sine qua non de todas as pessoas. Enfim, ganhou adeptos e, naturalmente, aplausos, quando foi taxativa ao salientar que estamos vivendo uma crise civilizatória e não temos o repertório necessário para enfrentá-la. Soou como música, é claro, aos ouvidos mais sensíveis, digamos assim.

E como analisar outras colocações de Marina? Como esta: “Eu não faria um aborto e não advogo em favor dele”. Ou esta: “É um erro criticar o pastor Marco Feliciano por ser evangélico”. E mais esta: “Não sou favorável à legalização da maconha”. Há quem assegure que Marina está desejando cortejar a fatia conservadora do eleitorado. Nas últimas eleições, inclusive, a ex-senadora obteve suas melhores votações entre o eleitorado de classe média e média alta do Rio de Janeiro e de São Paulo. A verdade é que ela precisa ser mais coerente no que diz ou no que prega. Para não embarcar numa aventura em 2014, obtendo votação pífia comparada à montanha com que foi incensada em 2010.