Polícia Federal monitorou visita de Lula à Paraíba

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Os agentes da Polícia Federal monitoraram todos os passos da primeira visita do líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva à Paraíba, em agosto de 1980. Lula estava empenhado nos passos para a organização do Partido dos Trabalhadores, pelo qual se elegeu, depois, presidente da República por duas vezes, e esteve em João Pessoa, Bayeux, Sousa, Patos e Cajazeiras, participando de atos públicos em que os oradores pronunciaram discursos inflamados contra o regime militar instaurado em 64. Entre esses oradores estava o ex-deputado estadual João Bosco Braga Barreto, que era filiado ao PMDB e tinha atuação política em Cajazeiras. A revelação consta de matéria publicada hoje no jornal “Correio da Paraíba”, assinada por Adelson Barbosa. O jornalista teve acesso a documentos em poder da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória na Paraíba, como o teor de um relatório confidencial elaborado pelo Serviço de Informação do DPF no Estado.

A visita ocorreu entre os dias nove e dez de agosto e o relatório é datado de 13 de agosto. Foi enviado ao Centro de Informação da PF em Brasília, ao SNI, ao Primeiro Grupamento de Engenharia e Construção em João Pessoa e ao Centro de Informações da Secretaria de Segurança Pública da Paraíba. A respeito do comício em Cajazeiras, o documento observa que compareceram mil pessoas e que Lula conclamou a uma reação contra ações policiais que procuravam reprimir protestos dos trabalhadores. Um dos ativistas políticos citados no relatório é o jornalista Wanderly Farias de Souza, que na época fazia parte do comitê central do Partido Comunista Revolucionário e coordenava a Pastoral da Juventude da Arquidiocese da Paraíba, cargo que ocupou a convite do então arcebispo Dom José Maria Pires. Wanderly confirmou ao “Correio” que estava envolvido na organização do PT. Ele havia trabalhado com Dom Helder Câmara na arquidiocese de Olinda e Recife e também representou a juventude brasileira na Conferência de Puebla, no México, realizada em 79 pela Igreja Católica, que definiu a opção preferencial pelos pobres e marginalizados.

O roteiro da viagem de Lula foi discutido no apartamento de Wanderly, na rua Duque de Caxias, no centro de João Pessoa. A comitiva seguiu direto para o sertão, parando em Uiraúna e realizando em Cajazeiras o primeiro ato público, com Lula, João Bosco Braga Barreto, Sônia Germano e Manoel da Conceição, líder camponês de Pernambuco que teve uma perna decepada em choque com a Polícia Militar e que viera de Recife em companhia de Lula. De Cajazeiras, a delegação foi a Sousa e a Patos, dormindo no Centro de Treinamento da paróquia de Santo Antonio. Na capital, Lula concedeu entrevista na Associação Paraibana de Imprensa e à noite participou de um comício em Cruz das Armas. Segundo Wanderly, por determinação do governo do Estado (então ocupado por Tarcísio Burity) a Saelpa (hoje Energisa) cortou a energia de Cruz das Armas momentos depois do início da manifestação. O ato prosseguiu às escuras. Lula dormiu em João Pessoa e viajou para São Paulo no dia seguinte.

Apesar do caráter confidencial do relatório, o documento não traz revelações bombásticas. Faz a transcrição do conteúdo dos discursos de oradores nas concentrações realizadas, enfatiza as críticas ao regime militar e faz julgamentos aleatórios sobre alguns dos protagonistas. Wanderly, por exemplo, é descrito como “elemento já conhecido dos órgãos de informação pelo seu envolvimento em ações esquerdistas” e acrescenta que em Patos ele fez graves acusações contra o regime. Outra declaração atribuída a Wanderly: “Eu tenho vergonha dos pais que não saem às ruas para protestar contra a miséria e a fome porque passam seus filhos, dos pais que não podiam sair às ruas a fim de organizar e contestar nem cruzavam os braços ou paravam máquinas. Mas isto aconteceu porque a corja de militares que se apoderou do poder impedia-nos de fazê-lo”. O relatório “confidencial” diz que no dia 10 de agosto, um domingo, a comitiva promoveu palestra na Associação Paraibana de Imprensa, no centro da capital, às 14h30. Mas os agentes infiltrados da PF não puderam acompanhar a manifestação alegando dificuldades de acesso ao local. Eles teriam sido impedidos de entrar por jornalistas identificados como “comunistas”. Lula denunciou salários de fome pagos aos trabalhadores e João Bosco Braga Barreto reclamou da falta de assistência do governo federal a flagelados da estiagem em municípios do sertão paraibano.

Do Blog com RepórterPB