Já próximo da barreira do Cabo Branco, parte final da praia do mesmo nome, foi erigida, em 1966, uma estátua dedicada à Iemanjá, cultuada pelos pescadores como entidade protetora contra os perigos dos mares, e sacralizada pela Umbanda e pelo Candomblé, as duas maiores expressões religiosas do povo africano. Como forma de destacar a homenagem física foi criada ao mesmo tempo a Praça de Iemanjá realçando a imagem da entidade religiosa naquele local. Há séculos sem fim a Rainha do Mar (sua distinção de crença), é venerada pelas referidas manifestações de fé africanas, por sinal, legítimas e dignas de todo o respeito, assim como acontece com as demais religiões do mundo. Aproveito o ensejo para um pouco de memória. Desde o instante que chegarem aprisionados como escravos ao Brasil, os povos africanos passaram a oferecer resistência não somente com o objetivo de reconquistar a liberdade, por meio dos quilombos, como de manter suas crenças e culturas tradicionais. No campo religioso, o jeito possível foi identificar os orixás com santos e santas do catolicismo, a religião professada por seus proprietários e donos do poder. A esse movimento de resistência dá-se o nome de sincretismo religioso, a permitir com que praticantes de religiões afro-brasileiras e católicos terminassem cultuando a mesma entidade sob diferentes nomes e aspectos. Mas, sobretudo, permitiu aos povos submetidos à escravidão resguardar crenças e ancestralidades, no formato possível. As festas de Iemanjá, por exemplo, são celebradas tanto em contextos afro-religiosos quanto católicos, com oferendas e celebrações que honram a mãe dos mares e a santidade mariana. Duas são as datas principais em que se comemora Iemanjá, segundo diferentes associações. A Umbanda, comemora Iemanjá em 8 de dezembro, porque associada à Nossa Senhora da Conceição (o que, por exemplo, mais uma vez aconteceu nesta sexta-feira, 8, em João Pessoa e outras partes do Nordeste, sempre um feriado). E o Candomblé, em 2 de fevereiro, porque associada à Nossa Senhora dos Navegantes (também permanentemente um feriado na Bahia). Tudo, pura resistência negra e impossível de exterminar, como desejariam racistas de plantão, por conta de ser tradição de fé e profundamente enraizada na cultura dos povos africanos e de seus descentes. Contudo, multiplicam-se as agressões de alguns intolerantes segmentos religiosos, incapazes de aceitar o direito à liberdade religiosa, que não hesitam em lançar mão da violência para combater as religiões afros. Tanto assim que a estátua de Iemanjá no Cabo Branco, à qual nos referimos, permanece há anos mutilada e necessitada de reparo físico. Ao que parece, há uma iniciativa do poder municipal em curso no sentido de restaurar a escultura da entidade religiosa e reinstalá-la na Colônia de Pescadores em Tambaú. Tomara que dê certo e que os pescadores sejam capazes de dissuadir os indecentes vândalos e intolerantes religiosos de futuras ações contra a imagem!
Fonte: Sérgio Botelho
Créditos: Sérgio Botelho