Senado, o doce paraíso dos salários

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Nonato Guedes
O presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB-AL, fez um discurso pomposo, ontem, a pretexto de fazer um balanço dos primeiros cem dias no cargo, e apontou como um dos êxitos da sua gestão a economia de R$ 302 milhões nas despesas da Casa. No contraponto a essa visão edulcorada de Renan, o portal R7 Notícias divulgou matéria revelando que o Senado paga para servidores salários até 11 vezes maiores do que média do mercado. E o site “Congresso Em Foco” veicula matéria sobre sonegação de informações por parte da Mesa Diretora do Senado, em relação a faltas de parlamentares durante sessões ordinárias, sem prejuízo dos seus vencimentos.
Uma vaga no Senado é, naturalmente, aspiração de milhares de pessoas que estudam para prestar concurso público. O R7 Notícias lembra que os generosos salários oferecidos pela Casa aos servidores efetivos são de dar inveja a muitos funcionários da iniciativa privada. Aos advogados iniciantes, por exemplo, o Senado chega a pagar 11 vezes mais do que o mercado oferece no Distrito Federal. Uma lei distrital aprovada no ano passado determina que um advogado receba, no mínimo, R$ 2.100 por horas semanais. Os profissionais que foram aprovados no último concurso do Senado em 2012, porém, entraram ganhando R$ 23.826,57. Eles foram contratados para trabalhar oito horas por dia, mas até o início do ano faziam uma jornada de seis horas, por regulamentação da Casa. Desde janeiro, a carga horária subiu para sete horas diárias.
Com o reajuste anual, os salários hoje variam entre R$ 25.017,89 e R$ 26.253,36, de acordo com uma tabela divulgada no Portal da Transparência do Senado. Mas o valor pode ser bem maior. Os cerca de R$ 25 mil representam a remuneração básica bruta, ou seja, a que desconsidera funções comissionadas, vantagens pessoais, auxílios e outros benefícios como adicional por títulos, por exemplo. Hoje, o teto salarial no serviço público é de R$ 26,7 mil, valor pago aos ministros do Supremo Tribunal federal ou aos senadores. No entanto, esse teto é flexível e não considera gratificações por cargos comissionados e adicionais, o que permite que os servidores recebam, já com os descontos obrigatórios, mais que o teto.
Você pode não acreditar, mas um “técnico de portaria” no Senado tem salário de R$ 20 mil. Quem tem curso superior ingressa no Senado com um cargo que é denominado de analista legislativo. No último concurso, o salário inicial previsto para essa categoria era de R$ 18.440,64. Com o reajuste, o salário base desses profissionais hoje varia entre R$ 19.362,65 e R$ 21.945,12, sem benefícios. O cargo de analista abrange diferentes profissões, como as de contador, administrador e arquiteto, por exemplo. Segundo o Sindicato dos Contabilistas do Distrito Federal, o piso salarial da categoria de contador é de R$ 2.592. Considerando-se o profissional que entrou no Senado no último concurso, ganhando R$ 18.440,64, ele recebe salário 7,1 vezes maior do que o de seus colegas ingressantes na iniciativa privada.
No caso de administradores e arquitetos, a situação se repete. Na primeira situação, os salários pagos pelo Senado são 4,1 vezes maiores do que o Sindicato dos Administradores do Distrito Federal sugere para a categoria, que é de R$ 4.407. Os arquitetos, que têm piso salarial no DF de R$ 5.736, ganham um terço do que paga o Senado para os analistas que exercem a profissão na Casa Legislativa. Dos servidores selecionados aleatoriamente pela reportagem do R7 Notícias, muitos ganham mais que os R$ 21.945,12 apontados na tabela do Senado. Eles têm o salário elevado pelas vantagens pessoais e cargos comissionados. Um contador que tomou posse em 1985, por exemplo, tem remuneração básica de R$ 22.007,97. A esse vencimento ainda foram somadas, no mês passado, vantagens pessoais de R$ 8.200 mil, uma função comissionada de R$ 4.300 e auxílios no valor de R$ 740,96. Já com os descontos, o servidor recebeu, em abril, R$ 24.725,19. Procurada pela reportagem do R7 Notícias, a assessoria de imprensa da Casa informou que o Senado Federal cumpre rigorosamente a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional brasileira e que a remuneração de todos os servidores respeita o teto constitucional.
E Renan? O que diz? 
No pronunciamento de ontem, a pretexto de avaliar os cem dias de gestão, o presidente do Senado destacou a previsão de economia de R$ 302 milhões até o fim do próximo ano. Explicou que no intuito de aproximar ainda mais a instituição da sociedade, pautou sua atuação em três conceitos obrigatórios a qualquer poder público: economia, transparência e economicidade. Segundo ele, o corte expressivo nos gastos será revertido para programas sociais. Calheiros recordou que já no início da gestão, em ação conjunta com a Câmara dos Deputados, foram extintos os indefensáveis pagamentos do décimo quarto e décimo quinto salários dos parlamentares. Só com essa medida, esclareceu, a economia é de R$ 9 milhões por ano. Disse ainda que em sua gestão já foram extintas 101 funções comissionadas de assistente técnico nos gabinetes de parlamentares, de lideranças e de membros da Mesa. Somadas à redução de 25% das funções de chefia e assessoramento em todo o Senado, que representou a eliminação de mais de 500 cargos, e ao limite imposto ao funcionamento dos cargos em comissão, representaram uma economia de R$ 26 milhões.
Calheiros lembrou ainda que novas nomeações foram proibidas e mais de 160 cargos foram bloqueados. Acrescentou que os cargos de diretor de compras e contratações, bem como da diretoria do controle interno, passaram a obedecer a um rodízio e a ter um limite máximo de dois anos de permanência no cargo. Outros R$ 81 milhões foram economizados com a fusão de estruturas administrativas, como o Programa Interlegis, a Universidade do Legislativo e o Instituto Legislativo, e o cancelamento e a revisão de contratos com terceirização de mão de obra. A redução da quantidade de impressos significou uma redução de R$ 4,6 milhões em gastos da Gráfica do Senado. Outros R$ 7 milhões foram economizados com a suspensão da distribuição de kits de informática a câmaras municipais. Renan destacou, também, o fim do serviço médico ambulatorial prestado no Senado. Parte do quadro de médicos foi cedido á administração do SUS no Distrito Federal e passou a atender a população nos hospitais públicos. Renan destacou ainda a fixação, pela Mesa, de uma taxa de ocupação dos imóveis do Senado que não são efetivamente ocupados por senadores, o que vai gerar uma arrecadação de R$ 2,3 milhões. Em suma: na ótica do presidente do Senado, ele é o rei da austeridade e da transparência. E sua gestão é o símbolo da modernização administrativa.