Inauguração X Convenção

Rubens Nóbrega

Na versão Potinho de Veneno, desde ontem tem sido intenso o tráfego telefônico entre figurinhas carimbadas da política paraibana por conta da Convenção Estadual do PSDB que será realizada amanhã, em Campina Grande, simultaneamente a inaugurações do Governo do Estado na Grande Campina.

As ligações, segundo ele, estão sendo feitas em sua maioria e em primeiro lugar pelo Cerimonial do Palácio da Redenção, tendo como destinatários preferenciais (que ele prefere chamar de ‘alvos’) deputados da base do governo. E os diálogos fluem mais ou menos assim:

– Bom dia, Deputado, como vai o senhor? Bem? E a família?
– …
– Ai que bom, Deputado! Graças a Deus… Bem, Deputado, quem está falando aqui é …, do Cerimonial de Palácio. A gente tá ligando pra confirmar a sua presença nas solenidades de inauguração que o governo Ricardo Coutinho vai fazer neste sábado em Campina Grande e região. Podemos contar com a sua presença, então?
– …
– Excelente, Deputado. O governador vai ficar muito feliz com a presença do senhor. Muito grata por sua atenção e até lá, se Deus quiser.
***
Segundos depois da ligação do Cerimonial, o primeiro deputado convidado pelo governo liga para o senador Cássio Cunha Lima com o propósito que se extrai da seguinte conversa:
– Alô, meu rei, tudo bem contigo, tudo em cima?
– E aí, Dó…, que manda?
– Rapaz, seguinte… Tava doido pra estar com você nesse sábado, mas acabei de receber um convite do Palácio, convite que parece mais uma checagem… É que o governador vai fazer umas inaugurações em Campina justo no dia e na hora da tua convenção. E aí, sabe como é… Mas quero que saiba que estou com você pro que der e vier, viu? Você sabe disso, num sabe?
– Claro que sei, Dó… Deixe comigo! Vá tranquilo que aqui eu abono a sua falta.
***
Mal Dó desliga, toca de novo o telefone do senador. Mais um deputado cheio de dedos. E esse o caso é mais complicado ainda.
– Oi, Cássio, como vai você, meu governador?
– Melhor do que mereço, Manezin… Alguma novidade?
– A novidade é que vamos ter inauguração aqui em Campina nesse sábado e o homem quer todo mundo lá. Saco, cara. Você sabe que eu preferia…
– Esquente não, meu! Compreendo perfeitamente a sua situação. Ainda mais você sendo secretário… Tá tudo em ordem, Manezin. Nem se preocupe.
– Bem, de qualquer forma, você sabe que pode contar comigo. Você sabe que sou um soldado. A hora que você quiser, largo essa m… e vou à luta, na linha de frente.
– Não vamos nos precipitar, Manezin… Você sabe que nessa parada eu tenho que seguir a velha máxima do velho Zé Américo. O que tiver que ser tem muita força…
– Beleza, amigo. Inté.
***
Cássio aproveita a ligeira folga pra checar a caixa de mensagens do seu celular e descobre que tem pelo menos umas seis novas. Todas de deputados da base. Lê apenas uma e deduz que tratam da mesma coisa: o remetente se desculpa por não poder ir pra convenção porque não pode desatender ao ‘convite’ do governador pra inauguração.
O senador faz as contas e conclui que pode receber pelo menos mais oito ligações ou mensagens do gênero. Resolve desligar o celular. Precisa de alguns minutos de sossego para despachar com o seu assessor de imprensa, que aguarda há um bom tempo para definir detalhes da entrevista coletiva desta sexta. Mas não demora e o celular do assessor começa a tocar. Pela tela dá pra ver que é o Deputado…
– Jó, amigão, tás com o senador aí? Tô ligando pra ele, mas só dá fora de área. E tô precisando falar com ele com a maior urgência. Você pode me ajudar? – suplica o deputado.
– Um minuto, Deputado, que vou ver se ele ainda está aqui pelo gabinete.
O assessor abafa o aparelho com as duas mãos, bem apertadas, e se dirige sussurrando ao senador:
– É Fulano… E aí, quié que eu digo pra ele?
– Ai, meu Deus, dê-me paciência! Dá’qui que eu atendo.
O senador pega o telefone do assessor, olha pro teto da sala como que procurando ajuda divina, suspira e depois saúda o deputado de um modo a fazer-lhe sutilmente uma cobrança por inassiduidade de contato.
– Como é que vai, meu Deputado, a quanto tempo, hem? E Fátima, tá boa?
– Tá ótima, meu Senador. E este seu criado aqui, melhor agora, por estar falando com você. Mas, Cássio, estou lhe ligando que é pra…
– Já sei: você vai pra inauguração do governador e com isso não pode aparecer na convenção. Né isso?
– Não, não. Né isso não. O que eu quero mesmo é saber quando é que a gente rompe com esse… Porque, meu amigo, vou te confessar: eu já não aguento mais, visse? Não faz dez minutos, recebi um telefonema do Cerimonial chamando pra essa tal inauguração. Disse que não podia, que já tinha compromisso lá na minha cidade etc. e tal. Não deu dois minutos, a moça ligou de novo. Dessa vez perguntando se eu realmente não ia mesmo pra inauguração. E só você vendo o tom! Eu guento um troço desse? Guento não, amigo, guento não. Desse jeito, em vez da Paraíba ir mais longe, tô achando é que eles tão indo longe demais!
– Calma, Deputado, calma. Quando chegar a hora, quer dizer, se chegar a hora, o primeiro que aviso é você. Por enquanto, fique na sua e segure a onda. Combinado?
– Fazer o quê, né? Fique com Deus, senador – diz o deputado, desligando em seguida.