O rei e a censura

Nonato Guedes

O “Observatório da Imprensa” exibiu um programa na TV Brasil discutindo a chamada Lei das Biografias, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, permitindo circulação de biografias impressas e cinebiografias sem a autorização prévia de personagens retratados ou de seus familiares. O projeto vale para biografias de pessoas públicas, como políticos e artistas e seguiria para o Senado não fosse um recurso do deputado Marcos Rogério solicitando que o texto seja analisado pelo plenário da Câmara. A justificativa do parlamentar é de que a iniciativa é polêmica e alguns pontos precisam ser debatidos, como a retratação por possíveis ofensas, além de biografias de pessoas com dimensão política. A data para que a tramitação seja desemperrada ainda é incerta.

A Lei das Biografias altera artigo do Código Civil, em vigor desde 2002, que só permite a produção de biografias com autorização direta de personagens ou parentes. Uma série de biografias de personagens importantes da história do país foi proibida antes mesmo de chegar a público, como as de Guimarães Rosa, Ana de Assis, Noel Rosa, Raul Seixas, Garrincha, Lampião, Di Cavalcanti e Roberto Carlos. Um dos participantes do debate foi Paulo Cesar de Andrade, autor da biografia “Roberto Carlos em Detalhes”, que teve a comercialização proibida pelo cantor em 2007. O jornalista Caio Túlio Costa, que foi “ombudsman” da “Folha de São Paulo”, perguntou a Paulo César como Roberto Carlos conseguiu apreender parte dos exemplares e qual é a situação do caso, hoje. O historiador contou que o livro foi lançado em dezembro de 2006 e em janei ro do ano seguinte o rei entrou com uma ação na área cível e outra na criminal, alegando uso indevido da imagem e invasão de privacidade.

Roberto Carlos sequer leu a biografia. Teria sido acometido de uma fúria censitória, e além de reivindicar a proibição da circulação do livro, pediu R$ 500 mil reais a cada dia que o livro estivesse disponível para compra e a prisão do autor por um período superior a dois anos. Em audiência de conciliação, a Editora Planeta, temendo pagar uma alta indenização, decidiu entregar os livros para que o cantor retirasse o processo. O autor entrou com um recurso contra o acordo antes que fosse homologado e o embate continua na Justiça. Da tiragem inicial de 60 mil livros, Roberto Carlos apreendeu os 11 mil exemplares que a editora mantinha em estoque. As obras estão guardadas em um depósito do cantor. No dia seguinte à proibição, quase como um ato de desobediência civil, diversas cópias do livro foram para a internet, contou o historiador.

Pelo relato de Paulo Cesar, durante os quinze anos de pesquisa para o livro, ele tentou uma entrevista com o cantor, que negou todos os pedidos formulados. “Quando o livro foi para a gráfica, eu disse: até agora, Roberto Carlos não me ajudou, só espero que não me atrapalhe. E ele entrou com tudo. O prejuízo é total. Hoje, fazem o que querem com o meu livro. Existe uma edição pirata vendida em sebos por R$ 150”, lamentou o autor, ressaltando que os biógrafos não agem em desacordo com a lei vigente porque a Constituição garante a liberdade de expressão, independente de censura ou de licença. Paulo Cesar relatou que a voracidade censitória de Roberto Carlos passou dos limites, e que não houve um único episódio de interdição da obra.

O cantor chegou a proibir um livro de um mordomo, em 1979. Esse livro foi apreendido e queimado no forno crematório da prefeitura de São Paulo. Depois, ele ingressou com um processo contra Ruy Castro por conta de reportagem publicada na revista “Status” em 1983. Em 1993, entrou com o processo contra o extinto diário Notícias Populares por uma série de reportagens sobre ele. Para complicar mais ainda as coisas, apurou-se que um outro livro que fala de Roberto Carlos, uma dissertação acadêmica intitulada “Jovem Guarda: moda, música e juventude”, escrita por outro autor, teve pedida a interrupção de sua venda pelos advogados do rei Roberto.

Confesso que sou fã de Roberto Carlos e, quando atuei na CBN João Pessoa, fiz entrevista com um empresário dele, que conheci numa viagem a Natal para assistir ao show do rei. Tenho todos os CDs de Roberto e acompanho sua trajetória com o mesmo interesse com que acompanho, e curto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Elba Ramalho. Mas essa alegada fúria censitória me desaponta profundamente e não engrandece a figura do rei